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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


A DAMA DE VERMELHO / Day Leclaire
A DAMA DE VERMELHO / Day Leclaire

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

A DAMA DE VERMELHO

 

Faz mais de dois anos! — protestou Reed Harding, ao telefone. — Di­zem que vocês são a melhor agência de detetives do país. Como isso é possível, se nem conseguem encontrar uma mu­lher desaparecida?

— O problema, Sr. Harding, é que a pessoa em questão realmente não quer ser encontrada. Isso dificulta um pouco nosso trabalho.

Reed afastou uma pilha de papéis para o lado, lutando contra a frustração que aqueles telefonemas sempre lhe causavam. Mais tarde, sua décima segunda secretária teria de lidar com aquela bagunça. Ou seria a décima terceira?

— Preciso fazer-lhe uma pergunta. Só isso. Uma única per­gunta, e ela estará livre para voltar a se esconder onde quiser.

— Eu entendo, Sr. Harding. Mas receio que ela não quer mesmo responder à sua pergunta.

"Mas que brilhante dedução!", ironizou Reed, em pensamento.

— E quanto aos parentes? — perguntou ao detetive. — Lembro-me de ela haver falado sobre a mãe.

— Lembra-se do nome dessa pessoa?

— Não.

Seguiu-se um momento de silêncio do outro lado da linha.

— Continuaremos a investigação, Sr. Harding. Ela acabará aparecendo algum dia desses. Voltaremos a conversar no pró­ximo mês, como sempre.

— Está bem.

Reed colocou o telefone no gancho e ficou de pé, com um ar impaciente. Droga, por que estava sendo tão difícil saber se Emily havia mesmo tido um filho seu? Seria pedir demais à Providência Divina?

 

— Angie Fazpaz, dirija-se ao supervisor Gentil, por favor.

Ela ouviu os burburinhos começarem assim que entrou no corredor dourado. Todos por ali viviam sempre cochichando a respeito dela, mesmo que isso fizesse ofuscar sua auréola ou provocasse o escurecimento de uma ou duas penas de suas magníficas asas. De fato, Angie já estava cansada de ouvir sempre a mesma pergunta: "O que um anjo como ela está fazendo em um lugar como este?"

Como se não bastasse, tinha de ouvir as reprimendas de seu supervisor, que solicitava sua presença sempre que ela fazia uma nova travessura cheia de boa intenção.

— Não vemos um comportamento tão censurável desde que Cleópatra insistiu em querer fazer parte do nosso grupo! — salientara o supervisor, durante uma de suas reprimen­das. — Você não está mais na terra, Angie Fazpaz. Aprenda a lidar com isso, senão acabará sendo expulsa daqui com auréola e tudo!

Angie suspirou. Ali estava ela mais uma vez, pronta para se apresentar ao supervisor Gentil, depois de falhar em sua décima segunda missão angelical.

O que eles queriam afinal? Não tinha muita prática em lidar com assuntos ligados ao Paraíso, e reconhecia que sempre fora mesmo um pouco atrapalhada.

Praticar aquele ato nobre, causa de sua presença ali, fora realmente muita ousadia de sua parte. De fato, tinha dúvidas se não cometera um grande erro. Se houvesse tido tempo de pensar, não teria pulado na doca para salvar aquela criança. Ainda mais se soubesse que acabaria se afogando.

— Srta. Fazpaz? — chamou-a o supervisor Gentil, de pé, à porta de sua sala. — Quanta bondade sua atender ao meu pedido! Entre, por favor.

Angie entrou na sala e olhou por cima do ombro para o anjo-chefe.

— Ficou sarcástico de um momento para outro, Gentil? Pensei que esse tipo de atitude não existisse no Paraíso.

Ele franziu o cenho. — Digamos que você tem o dom de despertar o que existe de pior em mim — respondeu.

— Não estou surpresa. — Angie sorriu, com candura. — Pareço surtir esse mesmo efeito na maioria dos habitantes do paraíso.

— Sim, já notamos. — Gentil, indicou uma cadeira. — Sente-se, por favor. Você sabe que nunca fui de dar impor­tância a formalidades.

— Deve ser por isso que sempre nos damos bem no final — Angie falou, sentando-se. — Aposto que me chamou aqui para gritar mais um pouco comigo.

— Não costumamos gritar por aqui.

Angie riu. — Claro que gritam — insistiu ela. — Ainda que com incrível bondade. — Inclinando a cabeça de lado, fitou-o com seus lindos olhos azuis. — O que eu fiz de errado desta vez?

Gentil respirou fundo. — Já enviamos Dotty Bondade para arrumar a bagunça que você aprontou naquele restaurante.

— Oh. — Angie cruzou as pernas. — E Chuck tirou o dia de folga?

— É Charles — corrigiu ele. — Sim, ele ainda está se re­cuperando, depois de haver consertado sua última missão.

— Entendo que quebrei um pouco a rotina daquele hotel, mas...

— Aquilo foi um verdadeiro desastre, srta. Fazpaz.

— Isso parece estar se tornando minha especialidade — admitiu ela, com um sorriso pesaroso.

— Tem razão. E nos traz ao dilema de sempre.

— Serei expulsa do paraíso?

Angie tentou se manter calma. Afinal, sabia que era apenas uma questão de tempo até seus superiores perceberem que haviam cometido um erro a seu respeito.

— Ainda não — respondeu Gentil.

— Então, qual é a proposta?

— Terá uma última chance para cumprir sua missão.

— A décima terceira? — completou ela, rindo. — E o que acontecerá se eu falhar novamente?

— Será expulsa do paraíso.

Angie suspirou, reconhecendo a gravidade da situação.

— Tudo bem, Gentil. Agradeço por me dar essa última chan­ce, mas estou acostumada a levar uma vida difícil. Não me abalarei se algo der errado — afirmou.

Passara a vida inteira em busca do Paraíso, desejando ser amada e aceita. Quando era jovem o suficiente para acreditar em sonhos, chegara a cogitar a possibilidade de viver um grande amor. Porém, nunca encontrara alguém especial. Pelo menos não na Terra. Então, por que esperar que a situação fosse diferente no paraíso?

— Aqui as coisas são diferentes — afirmou o anjo Gentil. — Os anjos que a estão ajudando também se encontram em treinamento, mas nem por isso suas imperfeições se tornam menos evidentes.

Angie arqueou uma sobrancelha.

— Está lendo meus pensamentos? Isso não é contra as regras por aqui?

— Às vezes, os desejos clamam tão alto que os anjos con­seguem ouvir. Principalmente quando esses desejos vêm do fundo da alma.

— E mesmo? Nunca ouvi falar disso antes.

— Talvez por não estar prestando atenção suficiente em sua condição. Podemos voltar ao que interessa?

— Sim, claro. Qual será minha última missão?

— O nome de seu novo protegido é Reed Harding, e sua tarefa será simples: terá de encontrar uma esposa para ele.

De fato, a missão parecia bem fácil. Porém, se conhecia bem o anjo Gentil...

— E o que mais? — perguntou, desconfiada.

Ele sorriu. — Ele terá de amá-la com sinceridade.

— Mais alguma coisa?

— Não. Faça com que ele encontre uma esposa para amar de verdade e sua missão estará cumprida.

O modo como ele a olhou deixou Angie ainda mais desconfiada.

— Vamos lá, Gentil, fale de uma vez. O que mais terei de fazer?

O supervisor sorriu. — Já que é sua última chance, vou lhe dar uma ajuda extra desta vez. Decidi mandar um anjo da guarda com você.

— Ah, não... Essa não...

— Pode se acostumar à idéia, Angie, porque Manchado irá acompanhá-la.


 

Reed Harding começou a ouvir os burburinhos assim que a linda jovem entrou no escritório da Construtora Harding. O que alguém como ela estaria fazendo em um lugar como aquele? Era o que todos estavam se perguntando.

Ao vê-la, Reed também se fez a mesma pergunta. Ela era simplesmente magnífica. Não que gostasse de loiras com rostos angelicais. Na verdade, preferia mulheres do tipo mais "terreno".

No entanto, teve de admitir que a beleza daquela loira era de tirar o fôlego. Ela tinha o rosto de um anjo e um corpo curvilíneo o bastante para tentar até um santo. Como se não bastasse, trajava um curto vestido vermelho, que moldava tentadoramente suas formas arredondadas.

Porém, seu maior espanto foi ver que ela estava sendo acom­panhada por um cão. O ruído dos saltos da linda loira ecoava pelo ladrilho tanto quanto o dos passos do cão, um dálmata com coleira vermelha e olhar perspicaz.

— Descubra o que ela quer e cuide do assunto para mim — disse Reed à recepcionista. — Estarei no meu escritório.

Ao seguir em frente, ouviu a recepcionista abordar a loira com um rápido "Em que posso ajudá-la?" Então o som de um riso deliciosamente feminino fez todos os homens do local olha­rem na mesma direção.

Reed também não conseguiu resistir. Aquele som o afetou de uma maneira que ele não soube explicar. Não se sentia tão afetado por uma mulher desde a adolescência. Nem mesmo Emily lhe causara tal reação. Furioso consigo mesmo, por não estar conseguindo ignorá-la, Reed virou-se para trás e cruzou os braços, esperando pela resposta que ela daria.

— Oh, é muita gentileza sua — disse a loira, com sua voz de sereia. — Mas não preciso de ajuda. Pelo menos, não ainda.

Reed a viu mostrar um estonteante sorriso e vir direto em sua direção.

— Há algo que posso fazer por você? — perguntou ele.

Ela deu de ombros, sem deixar de fitá-lo nos olhos.

—      Não se trata exatamente do que pode fazer por mim, Reed Harding, mas do que eu posso fazer por você.

Com esse intrigante comentário, ela seguiu em direção ao escritório dele, com o dálmata logo atrás de si.

Reed franziu o cenho. Então ela o conhecia? E também sabia qual era o caminho até sua sala. Que tipo de brincadeira era aquela?

Parando à porta do escritório, ela olhou-o com um ar maroto, ao perguntar: — Não vai entrar?

— Oh, claro que sim — respondeu Reed, com um tom irônico. — Eu não perderia isso por nada desse mundo. — Assim que ele fechou a porta, voltou-se para ela e falou: — Muito bem, vamos acabar com a brincadeira. Quem é você e o que quer?

— Sou Angie Fazpaz.

Dizendo isso, ela analisou o ambiente com um ar de curio­sidade. O dálmata fez o mesmo, dando um breve ganido de satisfação ao avistar um sofá de couro.

— Ah, não! — protestou Reed, ao notar a intenção do animal. Porém, o cão não hesitou em subir no sofá e se aninhar entre as almofadas.

— Hei, saia já daí, seu pulguento!

O dálmata o ignorou. Apoiando a cabeça sobre as patas cruzadas, fechou os olhos.

— Ele não escuta muito bem, não é? — ironizou Reed.

— Na verdade, ele não pode mesmo ouvi-lo — explicou Angie. — Não com os olhos fechados.

— Está bem, eu desisto. Por que ele não pode me ouvir quando está com os olhos fechados?

— Manchado é surdo.

— Ah, um dálmata surdo...

— Isso mesmo. Quando ele não quer saber de algo, sim­plesmente fecha os olhos.

— Para não ver o que está sendo dito?

— Exatamente. Manchado ouve com o coração, se é que me entende... — Aproximando-se de Reed, mantendo um ângulo em que o cão não pudesse vê-la falar, Angie declarou:

— Lamento por isso, mas desta vez ele está nos ignorando de propósito.

— Entendo que ele seja um cão problemático, mas quero que o tire do meu sofá e que vá embora com ele agora mesmo.

— Vamos fazer um acordo, sim? — propôs Angie. — Tirarei Manchado do seu sofá, mas em troca você terá de me ouvir. Aceita?

Reed cruzou os braços e continuou a olhá-la, em silêncio.

— Isso é um "sim"? — indagou Angie.

Antes mesmo que ele respondesse algo, ela se aproximou do cão e começou a acariciá-lo, para que ele a olhasse. A prin­cípio, o dálmata não deu muita atenção ao que estava acon­tecendo, afundando ainda mais no sofá. Porém, ele acabou abrindo os olhos, tão incrivelmente azuis quanto os da dona.

Reed soltou um suspiro. "Que ótimo", pensou com ironia. De uma hora para outra, sua vida se transformara em uma espécie de aventura da Disney.

— Manchado, está na hora de você prestar atenção. Desça daí, por favor — pediu ela. Ao ver que o cão não pretendia se mexer, acrescentou: — Se não me obedecer, acabará estragando nossa missão.

Reed estreitou o olhar.

— Que missão? — perguntou a ela.

Angie fingiu ignorar o questionamento, mantendo a atenção no dálmata.

— Desça, Manchado.

Com um resmungo quase humano, o cão desceu do sofá e sentou-se no chão, ao lado dela. Angie olhou para Reed.

— Está melhor agora? — inquiriu ela.

— Ainda não. Podemos terminar logo com isso? — Mostrando a mesa, completou: — Como pode ver, tenho muito trabalho para fazer.

— E por isso mesmo que estou aqui. Sou sua nova secretária.

Dizendo isso, Angie sentou-se diante da mesa dele.

— Só pode estar brincando.

— Nem um pouco. O que tenho mesmo de fazer com o manual que recebi? — Angie se perguntou. — Oh... Já sei!

Abrindo a bolsa, tirou dela uma caderneta e um par de óculos com armação dourada. Depois de colocá-los no rosto, procurou algo na caderneta.

— Primeiro, confirmar a identidade — murmurou. Olhando-o, perguntou: — Você é mesmo Reed Harding?

— Sim, sou eu. Ouça, não sei o que diabos...

— Segundo, explicar o motivo de sua presença — continuou, — Bem, isso eu já fiz. Terceiro, obter detalhes sobre a situação.

— Oh, ótima sugestão! — interveio Reed. — O principal detalhe é que não preciso de seus serviços. Volte para a agência que a enviou e diga-lhes que o plano não funcionou. Preciso de uma secretária experiente.

— Como sabe que não sou experiente?

Ele respirou fundo, tentando manter o pouco que lhe restava de paciência. — Para quantas empresas de construção e de arquitetura você já trabalhou?

— Para nenhuma.

— Vê como estou certo? Obrigado pela tentativa, mas pode sair. E não se esqueça de fechar a porta.

— Não acho que queira mesmo que eu vá embora. Aqui diz que você já teve doze secretárias nos últimos seis meses. — Angie franziu o cenho. — Ou foram seis secretárias em doze meses?

— O que posso fazer? — Reed deu de ombros. — Sou exigente no trabalho, só isso.

— Sou qualificada, pode acreditar.

— Bem, eu não duvido disso. Mas a questão é: qualificada para o quê?

— Para trabalhar em seu escritório. Gosto de lidar com pessoas e garanto que serei muito útil.

— Não no meu escritório.

— Acho que não tem escolha, Reed.

Ele riu com ironia. — Claro que tenho.

Ouviram uma batida à porta. Sem esperar pela resposta, um homem alto e musculoso entrou na sala, seguido por um belo jovem parecido com Reed.

— Desculpe-me por interromper, chefe — disse o homem mais alto, impelindo o rapaz para o centro do aposento.

— Hei, Tigre! — protestou ele, chamando o outro pelo apelido. — Não precisa ser rude.

— O que ele aprontou dessa vez, Tigre? — indagou Reed.

— Eu o flagrei em Wellsby pela terceira vez esta semana. Acabarei não podendo trabalhar, se tiver de repreender este rapaz toda vez que ele quiser bancar o carpinteiro.

Angie ficou de pé e sorriu para o jovem.

— Você deve ser Joel — disse, estendendo a mão. — Sou Angie Fazpaz, a nova secretária de seu irmão.

— Ela não é minha nova secretária — Reed retrucou. — E como diabos você sabe o nome do meu irmão?

Joel olhou para Angie com um ar de fascinação. — Seja lá o que ela for... Também posso ter uma assim para mim?

— Sem piadinhas, Joel — censurou Reed.

Tigre disfarçou o riso quando Angie se dirigiu a ele.

— Você é o contramestre do Sr. Harding? — perguntou ela, também estendendo a mão para cumprimentá-lo.

— Isso mesmo — confirmou ele.

— Ouvi muitos elogios a seu respeito. Você é benquisto entre as pessoas que conheço.

— Não me leve a mal, senhorita, mas nunca ouvi falar a seu respeito. Mas confesso que é uma pena não tê-la conhecido antes — acrescentou ele, encantado com a beleza de Angie.

— Obrigado por haver trazido Joel, Tigre — Reed os inter­rompeu. — Pode deixar que eu cuido do resto.

O empregado assentiu, retirando-se em seguida. Reed olhou para o irmão.

— Por que vivemos sempre tendo esta conversa, Joel?

O rapaz fingiu um ar de inocência. — Não tenho a mínima idéia. Por quê?

— Porque você nunca me dá ouvidos! — replicou Reed. — Já disse que não pode ficar se intrometendo nas construções. Ainda é jovem demais e aqueles lugares oferecem riscos...

— Farei dezesseis anos no próximo mês — Joel o interrompeu. — Você tinha essa idade quando começou a trabalhar. Além disso, pensei que ficaria contente ao ver que quero tra­balhar, em vez de ficar à toa por aí. Se eu quisesse, poderia estar freqüentando lugares bem piores, sabia?

— Pelo que sei, já visitou alguns deles — replicou Reed. Ao notar a expressão magoada do irmão, acrescentou: — Está bem, reconheço que não fui justo no comentário. Se quiser um emprego, vou lhe arranjar um. Mas não agora. Fim da conversa.

— Que conversa? — ironizou Joel. — Nunca conversamos sobre nada, Reed. Você simplesmente dita as ordens e espera ser obedecido, só isso.

— Bem-vindo ao mundo real, irmãozinho.

O cão ganiu, como que protestando. Angie tirou da bolsa uma delicada corrente e a prendeu na coleira dele.

— Joel? Importa-se de passear um pouco com Manchado?

Só então o rapaz olhou para o dálmata.

— Hei, eu não tinha visto que você estava aí — disse ele, demonstrando gostar de cães. — De onde veio, amigão?

— Ele está comigo — explicou Angie. — Mas acho melhor avisar que... Manchado é surdo. Quando der instruções a ele, olhe-o de frente.

— Ele lê lábios?

— Sim.

— Não! — protestou Reed. — Hei, não encha a cabeça do meu irmão com essas besteiras. Cães não lêem lábios!

— Manchado lê — afirmou Angie, com calma. — Ele é es­pecial, e entende com o coração o que dizemos a ele.

— Bem, então até mais tarde — Joel se despediu, pegando a coleira.

Sem dar a Reed a chance de protestar, Joel conduziu o cão em direção à porta.

— Droga! Ainda não terminei a conversa!

— Poderá terminá-la depois — salientou Angie. — Será até melhor conversarem quando estiverem mais calmos.

— E mesmo uma especialista em relacionamentos humanos, não? — ironizou ele.

— Digamos que sei compreender os anseios do coração de um jovem.

— Aposto que sim. — Ao notar que fizera um comentário gros­seiro, Reed falou: — Desculpe-me. Eu não deveria ter dito isso.

Angie sorriu, com um brilho de generosidade no olhar.

— Entendo que seja protetor com relação a seu irmão. Mas não notou que ele quer ser como você, Reed?

— Sinto muito, mas dessa vez você se enganou. Joel tem se mantido em estado de rebeldia desde os dez anos de idade, quando perdeu o pai. Teve problemas com a polícia tantas vezes que já perdi a conta. Nada muito grave, mas que o teria deixado encrencado se não houvesse alguém para defendê-lo.

— E esse alguém foi você?

Reed deu de ombros.

— Não havia outra pessoa disponível. Nossa mãe tentou, mas sem a presença do pai de Joel... Quando ela não conseguiu mais controlá-lo, pediu-me para cuidar dele.

— E agora ele mora com você?

— Sim, há dois anos. Venho tentando fazer o melhor por ele, mas Joel está determinado a seguir seu próprio caminho pela vida.

— A maioria de nós deseja isso — salientou Angie.

— E verdade. Mas, infelizmente, meu irmão leva essa idéia a extremos. Quando eu sugiro que ele siga pela esquerda, ele vai pela direita só para dificultar a situação. Por isso sou tão severo ao ditar as regras para Joel.

— Regras? — Angie arqueou uma sobrancelha.

— Sim. Costumo manter regras rígidas tanto na vida pro­fissional quanto na pessoal.

Angie suspirou. — Eu estava com receio de que você dissesse exatamente isso. Aposto que Gentil deve estar rindo de mim agora.

— Gentil?

— Meu supervisor. Ele sabe muito bem quanto eu tenho... aversão por regras.

— Já percebi. Mas sobre o que estávamos falando antes?

— Estávamos discutindo os detalhes sobre a minha contratação.

— Nada disso! Estávamos falando sobre sua descontratação. Eu havia acabado de dispensá-la.

— E eu havia dito que você não tinha opção, a não ser me contratar.

Não tenho tempo para continuar com isso — disse Reed. — Tenho uma construtora para administrar.

— E um irmão para cuidar — acrescentou Angie, com gentileza.

— Desculpe-me, mas esse assunto não lhe diz respeito.

— De qualquer maneira, você precisa de ajuda. — Olhando para a caderneta, ela continuou: — Isso nos leva ao quarto item... — Ajeitando os óculos, Angie hesitou. — Como disse?

Reed arqueou uma sobrancelha.

— Oh-oh?

Ela tossiu de leve, com nervosismo.

— Acho melhor pararmos por aqui. Fui instruída para não revelar detalhes demais nesse primeiro dia.

— Entendo — respondeu Reed, mesmo não tendo a mínima noção do que ela estava querendo dizer. — Srta. Fazpaz, já trabalhou como secretária alguma vez na vida?

— Claro que sim — respondeu Angie. Abrindo sua bolsa incrivelmente pequena, tirou dela um grande bloco de anotações e uma caneta. — Está vendo? Vim bem equipada.

— Não precisa se explicar. A brincadeira terminou. Não sei quem a enviou, mas não tenho tempo para esse tipo de brin­cadeira. Portanto, pode ir embora.

Angie suspirou. — Lamento, mas não posso fazer isso.

— Claro que posso. Basta que você dê meia-volta e dirija-se à porta de saída. Será mais fácil do que imagina.

— E o que fará quanto à sua necessidade de ter uma secretária?

— Pedirei que me mande outra. Mas, dessa vez, uma de verdade.

Angie se ajeitou melhor na cadeira, antes de dizer:

— Bem, já que tenho de esperar que Joel traga Manchado de volta, vá em frente.

— O que está querendo dizer?

— Peça uma nova secretária. Ficarei aqui esperando. Se encontrar alguma disponível, irei embora. Caso contrário, terá de me dar o emprego.

— Não lhe darei o emprego sob hipótese alguma.

— Por quê?

— Porque você não está qualificada para ele.

— Nunca dá uma chance a ninguém? — Angie insistiu. — Ouvi dizer que o lema de sua empresa era oferecer oportuni­dades, mas estou vendo que isso deve ser apenas uma jogada política de sua parte.

Reed estreitou o olhar.

— Eu... — Reed hesitou.

— Sim?

— Está bem. Terá duas semanas de experiência, mas se cometer um deslize, será despedida. Entendido?

O lindo sorriso de Angie o deixou ainda mais encantado, mas Reed manteve uma expressão impassível.

— Sim, claro — respondeu ela.

— Não se empolgue demais. Ainda não falamos sobre minhas regras. Sabe mesmo como usar esse bloco de anotações e essa caneta?

— Perfeitamente.

— Então comece a escrever. Já que você detesta regras, vou me restringir a apenas três por enquanto. Também tenho uma lista de deveres.

Angie voltou a sorrir.

— Oh, você também gosta de elaborar listas? Elas são tão úteis, não acha? Muito melhores do que cumprir deveres.

Reed fitou-a com ar de suspeita. Estaria zombando dele? Bem, isso não fazia lá muita diferença.

— Regra número um: eu sou o chefe. O que eu digo é lei. Nada de discussão ou de argumentação. A palavra final é sem­pre minha. Está claro?

— Como água.

— Regra número dois: nada de relacionamentos internos. Se quiser se encontrar com algum namorado, terá de fazer isso fora da empresa.

— Acho que sobreviverei a isso — zombou Angie.

— Regra número três: nada de cães por aqui.

Angie estava anotando os itens, mas parou ao ouvir aquilo. Olhou para Reed, franzindo o cenho.

— Reconheço que Manchado é meio temperamental às vezes. Direi a ele que não poderá mais me acompanhar, mas duvido que ele concorde.

—      Tente deixá-lo em casa e trancar a porta.

Angie suspirou. — É difícil explicar, principalmente por você ser o chefe e eu não querer contrariá-lo, mas deixar Manchado em casa não fará diferença. Ele é muito obstinado e sempre acaba conse­guindo o que quer.

— Um indomável dálmata surdo?

— Muito indomável.

— Um cachorro que lê lábios e que tem preferência por coleiras vermelhas?

— Não está acreditando em mim? — inquiriu Angie.

—      Nem um pouco.

Ela estreitou o olhar. — Vamos deixar algo bem claro, Sr. Harding. Posso ter meus defeitos, e acredito até que eles sejam muitos para a posição que ocupo, mas eu não minto. Nunca.

— Peço desculpas. Mas você tem de admitir...

— Na verdade, costumo ser sincera demais. Às vezes, falo mais do que devo, mas não consigo me conter. De vez em quando, isso me causa problemas.

Os lábios de Reed se curvaram em um breve sorriso. — Aposto que sim.

— Tem algo mais para me dizer?

— No momento não.

— E quanto aos meus deveres? — indagou Angie. — Disse algo sobre uma lista...

— Oh, ela está aqui! — Reed abriu uma gaveta e pegou uma folha de papel. — Depois de tantas secretárias haverem passado por aqui, achei mais fácil escrever tudo.

— Desculpe-me pela curiosidade, mas por que perdeu tantas secretárias?

— Digamos que não tenho um temperamento muito fácil de se lidar. Como eu disse antes, sou muito exigente.

Angie sorriu, conferindo a lista que ele lhe entregou.

— Tem alguma dúvida? — perguntou Reed, após alguns segundos.

— Vejamos... Atender telefonemas, anotar recados, digitar com rapidez... Terei de acompanhá-lo em reuniões e conferências?

— Há algum problema nisso? Teremos uma conferência no próximo mês, em Chicago. Partiremos em uma sexta-feira e voltaremos no domingo.

— Oh, será ótimo para mim.

— Também terá de me acompanhar a alguns outros eventos, se eu precisar de seus serviços.

— Parece interessante. — Angie voltou a analisar o papel. — Organizar reuniões, manter os arquivos do computador atualizados, lidar com clientes...

Ao notar que ela havia chegado ao último item da lista, Reed ficou de pé.

— Está pronta para começar? Casey Radcliff trabalha tem­porariamente para mim, quando estou sem secretária. Ela po­derá sanar suas dúvidas.

Angie também ficou de pé.

— Acho que não terei nenhuma. Tudo parece bem fácil por aqui. — Pendurando a bolsa no ombro, ela se encaminhou para a porta. Então parou para olhá-lo por cima do ombro. — Bem, exceto pelo último item. Ele parece mais um desafio do que qualquer outra coisa.

— Que item?

— Esse de encontrar uma esposa para você.

Com outro de seus belos sorrisos, Angie saiu do escritório e fechou a porta atrás de si. Porém, nem mesmo a sólida camada de madeira foi suficiente para abafar o grito impaciente que lhe chegou aos ouvidos.

 

Angie havia acabado de sentar-se à mesa que seria sua dali em diante, quando Reed abriu a porta que separava as duas salas. Parecia aborrecido, mas ela não ficou surpresa.

Tentara mencionar aquele último item de uma maneira ca­sual, para que ele nem notasse, mas, pelo visto, não tivera sucesso. O brilho de fúria nos olhos dele comprovou isso.

— Srta. Fazpaz! — Notando que chamara a atenção de ou­tros funcionários, ele abaixou o tom de voz. — Venha até meu escritório. Agora!

— Oh, Deus... Angie não via uma expressão tão furiosa quanto àquela desde que o supervisor Gentil descobrira que ela havia deixado Napoleão Bonaparte entrar no paraíso para dar uma espiadela no lugar. O pior era que Reed parecia estar ainda mais furioso do que Gentil.

Os olhos castanhos haviam adquirido um brilho intimidador. Os cabelos castanhos, levemente caídos sobre a testa, atribuíam-lhe um charme especial, assim como os traços másculos de seu rosto, marcados pelos lábios firmes.

— Claro, Sr. Harding — respondeu Angie, com incrível cal­ma. — Algum problema? — perguntou, ao fechar a porta do escritório.

— Pode-se dizer que sim. O que diabos quis dizer com en­contrar uma esposa para mim?

— Então é isso...

— Sim, é isso mesmo.

Angie deu de ombros. — Estava em sua lista.

— Não diga tolices!

— Quer que eu lhe mostre? — inquiriu Angie, mantendo o tom calmo.

— Isso seria interessante, já que fui eu mesmo quem es­creveu aquela lista. Não escrevi nada sobre encontrar uma esposa.

Angie arqueou uma sobrancelha.

— Quer dar licença para eu passar e pegar a lista ou terei de forçar a passagem? — Ela o desafiou.

Um brilho insinuante surgiu nos olhos de Reed.

— Esta é a proposta mais tentadora que já recebi. Pretende mesmo cumprir a ameaça?

Angie observou o rosto bonito de Reed, imaginando quanto parecia convidativo se envolver com alguém que era um exem­plo da beleza masculina. Porém, lembrou-se a tempo de que sua missão era a de encontrar uma esposa para ele, e não realizar seus próprios desejos terrenos.

Reed deve ter percebido a recusa em seu olhar, porque as­sentiu em silêncio e ficou de lado, dando espaço para ela passar. No entanto, ele também pareceu deduzir o pensamento de An­gie, pois tocou-lhe a mão, já sobre a maçaneta da porta.

— Entendeu por que não dará certo trabalharmos juntos? — perguntou. — Você sente o mesmo, não?

Ela não podia negar que havia algo diferente entre eles. Fazia muito tempo que não sentia o toque carinhoso de um homem, mas não podia se deixar levar por sensações que per­tenciam ao passado.

— Assim que eu encontrar uma esposa para você, isso não o incomodará mais. Prometo. O que está sentindo é uma distração momentânea, mas logo passará.

— Passará logo porque você não continuará trabalhando comigo — disse Reed. — Tenho contatos. Arranjarei um em­prego para você em outro lugar. Esse caminho pelo qual es­tamos seguindo só nos trará problemas.

— Lamento, mas é o único caminho que conheço — afir­mou Angie.

Reed afastou a mão da de Angie, como se temesse que aquilo fosse mais além.

— Pegue a lista.

Pela primeira vez na vida, ou depois da morte, Angie achou difícil se equilibrar sobre o salto de oito centímetros. Mantendo a concentração, para não perder o equilíbrio, adiantou-se para pegar a lista.

Depois de respirar fundo, retornou ao escritório e fechou a porta.

— O último item diz: "Encontrar uma esposa para mim" — declarou, colocando o papel sobre a mesa.

Reed franziu o cenho, ao ler o item.

— Que tipo de brincadeira é essa? — indagou, em um tom ameaçador.

Aquela não era uma pergunta que Angie poderia responder. Pelo menos, não ainda. Sentando-se diante da mesa, abriu o bloco de anotações e olhou para Reed.

— Não acha melhor falarmos sobre o tipo de mulher que você prefere?

— Não! — O grito exasperado fez Angie se sobressaltar. — Quero que me diga como esse item veio parar na minha lista.

— Você não o escreveu? — inquiriu ela, com um ar inocente.

— Claro que não! — Contendo um pouco o tom impaciente, Reed perguntou: — Não foi você?

— Não.

Mas Angie deduziu quem poderia ter feito aquilo. Anjos da guarda eram sempre muito matreiros quando queriam. Reed colocou o papel de lado e fitou-a nos olhos.

—      A honestidade é algo muito importante para mim — disse ele. — Na verdade, é o primeiro item da minha lista de virtudes.

Angie arqueou uma sobrancelha. — Outra lista?

— Srta. Fazpaz!

— Tudo bem, tudo bem. Acho que já falamos sobre hones­tidade. Eu nunca minto, lembra?

— Foi o que disse.

— Agora que nos entendemos a esse respeito, podemos voltar ao que interessa? Se me disser o que espera de uma esposa, poderei cuidar melhor do assunto. Prometo que manterei a questão em sigilo.

— Esqueça isso. Eu a contratei para ser minha secretária, nada mais. Não quero ouvir falar sobre essa história de me arranjar uma esposa. Entendeu? Angie suspirou.

— Esse é o quarto item?

— Acho que o primeiro item abrange esse também. Sou o chefe, lembra? O que eu digo é lei. Nada de discussão ou de argumentação. A palavra final é sempre minha.

— Estou começando a achar que essa regra vai ser uma verdadeira maldiç... —Angie se interrompeu, diante da palavra pouco celestial. — Um verdadeiro desafio — emendou.

Reed disfarçou o riso. — Posso sobreviver a isso.

Ele sim, mas talvez ela não, pensou Angie. Não tinha certeza de quanto tempo teria para cumprir sua missão, mas achava que o prazo duraria um mês no máximo. Se não obtivesse nenhum resultado dentro desse período... De súbito, sentiu uma onda de determinação.

Poderia me dizer pelo menos quais são as qualidades que você gostaria de encontrar em uma esposa? — perguntou com calma, tentando não demonstrar seu desespero. — Prometo que não voltaremos a falar nisso.

— Você nunca desiste?

— Não posso desistir — respondeu Angie. Não se quisesse continuar no paraíso.

— Então, deixe-me facilitar as coisas para você — falou Reed. — Minha mãe é quem cuida dos assuntos sentimentais na minha vida. Ela decidiu que quer me ver casado e está se empenhando para conseguir isso.

— Deve ser bastante embaraçoso.

— E mais inconveniente do que qualquer outra coisa. Pelo menos uma vez por mês ela faz reservas em um restaurante, em meu nome e no da vítima do momento, e me avisa no último instante.

— Que estranho.

— Concordo plenamente.

— E por que você não se recusa a ir?

— Porque acho que seria injusto com a pessoa envolvida. Quando minha mãe me avisa, a "pretendente" já se encontra a caminho do restaurante. Quanto à minha mãe... Digamos que tenho razões para não censurá-la. Portanto, não preciso de sua ajuda para encontrar uma esposa. Tenho certeza de que o encontro que minha mãe deve ter programado para essa noite dará bons resultados.

— É mesmo? — Angie sorriu, esperançosa.

— Sim.

— Fale-me mais sobre a candidata. Como ela é?

— Não está mesmo me ouvindo.

— Claro que estou. Ouvi e posso repetir cada uma de suas palavras, desde que nos encontramos. E pode acreditar, você não falou pouco.

— É mesmo? Deve estar sendo bastante tedioso para você — Reed ironizou. — De qualquer maneira, quero que mais um detalhe fique bem claro: ficará aqui apenas por duas semanas. Depois disso, quero vê-la fora da minha vida de uma vez por todas.

Um breve ruído vindo da porta interrompeu a conversa.

—      Oh-oh — disse Joel. — Acho que chegamos na hora errada, Manchado.

 

— A culpa não é minha — insistiu Angie. — Reed Harding é uma pessoa muito difícil de se lidar. E não me olhe desse jeito, porque eu estou tentando. Trate de sair desse sofá, Manchado. Se ele encontrar mais um pêlo de cachorro nas almofadas, não vai esperar duas semanas para nos dispensar.

Manchado latiu energicamente, antes de afundar um pouco mais no sofá.

—      Para sua informação, eu tenho um plano — Angie con­tinuou. — Se ainda não notou, esta é a agenda de Reed — anunciou ela, tirando o objeto de uma das gavetas da mesa dele. — Essa noite, ele terá um encontro com uma garota chamada Pamela, no restaurante Sarduccfs. — Ela sorriu. — Lembra-se desse restaurante? Foi engraçado o que aconteceu por lá.

O cão ganiu baixinho, cobrindo os olhos com as patas por um momento.

— Tenho certeza de que já esqueceram — disse Angie. — De qualquer maneira, iremos até lá esta noite para observá-los.

Com um pouco de sorte, Pamela será perfeita para Reed e bastará apenas um "empurrãozinho" para os dois se casarem e serem felizes para sempre.

Para sua surpresa, Angie chegou ao restaurante juntamente com Reed e Pamela. Porém, Reed não pareceu nem um pouco satisfeito com a "coincidência" de encontrá-la por lá.

Pelo visto, senso de humor não era algo natural na perso­nalidade dele. Isso tornava essencial que a futura esposa de Reed fosse bem-humorada. Angie observou Pamela com ar de curiosidade. Mas logo notou que, se a moça tinha algum senso de humor, devia mantê-lo bem escondido.

— O que está fazendo aqui? — perguntou Reed, em um tom impaciente.

— Vim jantar. E vocês?

— Temos uma reserva, como você bem sabe.

— Oh. Então é necessário fazer reservas para jantar aqui? — inquiriu Angie.

— Na verdade, é essencial. — Olhando para Manchado, ele acrescentou: — Trouxe o cão?

— Manchado sempre me acompanha.

— Mas nunca o deixarão ficar aqui dentro. E proibida a entrada de animais em restaurantes.

—      É mesmo? Bem, nunca tive problema com isso antes.

Angie olhou para Pamela. A moça era alta e linda, mas parecia não gostar de falar muito. Estava vestida com um tailleur cinza, em estilo conservador, e com os cabelos presos em um coque baixo. Os belos olhos castanhos retribuíram o olhar de Angie com atenção.

— Não vai nos apresentar? — Pamela perguntou a Reed, em um tom polido.

Ele se mostrou visivelmente relutante.

— Essa é minha secretária, srta. Fazpaz. Angie, essa é Pa­mela James.

Os duas trocaram um aperto de mãos.

— Vocês se conhecessem há muito tempo? — indagou Angie.

Reed a fuzilou com o olhar. — Não comece, senão terá de procurar um novo emprego amanhã mesmo.

— Meu Deus, Reed! — Pamela interveio. — O que ela fez de errado? Angie quer apenas saber a quanto tempo nos conhecemos.

— Não foi exatamente isso o que ela quis dizer — sa­lientou ele.

— Não?

— Foi apenas uma pergunta amigável, Reed — afirmou Angie.

— Você já sabe a resposta — assegurou ele. — Então, por que perguntou?

— Reed, se ela soubesse a resposta, não teria perguntado — insistiu Pamela, que se voltando para Angie, respondeu: — Eu e ele acabamos de nos conhecer.

— Excelente!

— O que diabos está querendo dizer com isso? — perguntou Reed.

Pamela franziu o cenho. — Não seja indelicado, por favor — pediu ela. — Estamos tendo apenas uma conversa social.

— A intenção da srta. Fazpaz não é inocente, pode acreditar.

— Estou querendo apenas salientar quanto os primeiros encontros são especiais — explicou Angie. — Os primeiros olha­res... A súbita consciência da presença física um do outro... O primeiro toque... A ansiedade em saber se o outro é mesmo tão sexy quanto parece...

Pamela arregalou os olhos. — Mas eu nunca pensei dessa maneira.

— Srta. Fazpaz...

— Não mesmo? — Angie continuou se dirigindo a Pamela.

— Oh, sempre achei os primeiros encontros a parte mais ro­mântica de um relacionamento. E o período em que a paixão cega o casal com relação a certas verdades. — O cão puxou a barra da saia dela, distraindo-a por um momento. — Pare, Manchado. Estou falando sobre a parte engraçada de tudo isso. Quando a ânsia de amar faz os apaixonados ignorarem os de­feitos um do outro...

Pamela cruzou os braços. — Que defeitos? — perguntou ela.

— Bem, deixe-me ver... — Angie não teve de se esforçar muito para encontrar a resposta. Bastou lembrar de seu dia com Reed. — Ter um temperamento difícil, por exemplo. Ou uma desagradável tendência à teimosia. Oh, e sempre querer as coisas feitas à sua maneira. Esse tipo de coisa... — Manchado ganiu, em protesto, e Angie olhou para ele. — Eu me lembro do que Gentil disse. Amor verdadeiro. Tudo bem, mas quando se ama, releva-se os defeitos. — Ela olhou para Reed. — Certo?

— Eu gostaria que alguém me explicasse sobre o que ela está falando — pediu Pamela, confusa.

— Não se preocupe em entender agora, querida. O fato é que vocês ainda não se conheceram o suficiente para saberem quais são as qualidades e os defeitos um do outro. A realidade do tédio ainda não os afetou. Com sorte, isso não acontecerá até que estejam devidamente casad...

— Srta. Fazpaz... — Reed a interrompeu.

— Sim?

— Acho melhor não terminar a frase.

— Talvez devêssemos ter continuado com a parte informal da conversa — disse Pamela.

— Está vendo? — Reed forçou um sorriso. — Eu disse que a intenção dela não era inocente. Se a conhecesse tão bem quanto eu, já teria se dado conta disso.

Pamela arqueou uma sobrancelha. — Talvez eu devesse ter perguntado há quanto tempo vocês se conhecem.

— Nós nos conhecemos hoje — explicou Angie, rindo.

Seguiu-se um silêncio embaraçoso.

— Srta. Fazpaz! — Reed foi o primeiro a quebrá-lo. — No caso de não haver notado, não estou nem um pouco satisfeito com seu comportamento.

Ela deu de ombros, com um sorriso se insinuando nos lábios

— Estou acostumada com isso. Pareço ter um "dom" para falar e fazer coisas erradas. Mas se isso o fizer sentir-se melhor, saiba que se eu falhar dessa vez nunca mais atrapalharei nin­guém. Meu supervisor acabará enviando Chuck ou Dotty para consertar meu fiasco. Não será afetado pessoalmente, prometo.

Reed franziu o cenho, sem ter a mínima idéia do que ela estava falando. Porém, antes que pudesse dizer algo, o maitre os interrompeu.

— Srta. Fazpaz! Que prazer em revê-la!

Angie virou-se e sorriu. — Olá, Rollo. Como está Beatice?

— Bem melhor, obrigado. — Olhando em volta, ele pergun­tou: — O que achou da reforma que fizemos?

— O restaurante ficou lindo. Não dá nem para notar os locais que foram atingidos pelo fogo. Sinto muito por tudo aquilo.

— Ora, já nos recuperamos, não se preocupe. Veio jantar?

— Há um lugarzinho para mim?

— Claro que sim. Sempre há. — Ele lançou um olhar preo­cupado para Manchado. — Mas você conhece as regras...

— Eu avisei — interveio Reed.

Com um suspiro resignado, Angie abriu a bolsa e tirou dela uma espécie de elástico vermelho. Passou-a pela cabeça de Manchado e centralizou o laço em seu pescoço.

— Pronto. Está bom assim?

— Perfeito! — exclamou o maitre. — Sabe que nossas regras são muito rígidas, mesmo para convidados ilustres.

— Eu entendo — anuiu Angie, tendo de conter o riso diante da expressão atônita de Reed.

Despedindo-se com um breve aceno, ela acompanhou Rollo até o salão principal.

— Acho que nos saímos bem, não? — perguntou a Manchado, que respondeu com um latido.

— Será possível que eu sou o único que acha estranho comer em um restaurante cinco estrelas com um dálmata? — ques­tionou Reed, indignado.

 

— Você não está comendo com um dálmata — salientou Pamela.

— Não importa.

— Sim, claro que importa — insistiu ela. — Está comendo no mesmo restaurante que um dálmata, mas não na companhia dele.

— E você não acha isso estranho?

Pamela arqueou uma sobrancelha. — Por que eu deveria?

Reed olhou para os ocupantes das outras mesas.

—      Não acredito que ninguém faça sequer uma reclamação.

É como se nem estivessem notando! Há um dálmata surdo sentado à mesa, usando uma gravata vermelha, e todos agem como se isso acontecesse todos os dias!

—      Bem, você tem de reconhecer que ele não está enfiando as patas no prato e nem latindo alto — salientou Pamela, examinando o menu. — As entradas parecem ótimas, não?

Reed ia responder, mas desistiu por pura impaciência. Abriu o menu com um gesto firme, furioso por sua nova secretária haver chamado sua atenção pela vigésima vez nos últimos dez minutos.

Não que ela houvesse feito isso deliberadamente. Angie não sorrira nem acenara em sua direção. Não era preciso. Bastava ficar sentada ali, naquela mesa próxima, para impeli-lo a olhá-la a todo instante.

Angie ocupara a mesa central do salão, com seu vestido ver­melho e os cabelos loiríssimos refletindo a luz vinda do alto. Ela não apenas era a mulher mais bonita do salão, como também parecia muito à vontade tendo um cão como acompanhante.

Notou que ela também os observava de vez em quando. Não tinha idéia do que deveria estar se passando pela mente dela, mas pela expressão de seu rosto não parecia ser algo bom. Deus, o que fizera para merecer uma secretária tão excêntrica? Devia ter sido um pecado bem grave.

— Já decidiu o que vai pedir como entrada? — A pergunta de Pamela lhe interrompeu os pensamentos.

— O quê? Oh, uma sopa de ervilhas.

Ela anuiu, satisfeita. —        É exatamente o que eu pretendia pedir. Pelo visto, temos muito em comum.

Reed suspirou. Sim, claro. Ambos compartilhavam um in­teresse por ervilhas. Sem dúvida, haviam nascido um para o outro.

— Pare de reclamar, Manchado. E importante que façamos uma lista. Reed gosta de usar esse método e eu também. Agora, pare de protestar e diga o que posso incluir nela. Ele considera a honestidade como a principal das virtudes, portanto, esse será o primeiro item da lista.

Ela olhou discretamente na direção da mesa dele.

— Mas como poderei saber se Pamela é honesta? Isso não é algo que se percebe facilmente. Gentil não lhe disse algo que possa ajudar?

Manchado suspirou. 

— Vejamos... Qual o próximo item? Senso de humor. Essa escolha é minha, não de Reed. Com um temperamento como o dele, é muito importante que ele encontre alguém que o faça rir de vez em quando. E ela também tem de ser determinada. Uma pessoa de personalidade fraca logo o deixaria aborrecido.

Manchado latiu com firmeza.

— Por que você insiste em trazer isso à tona? Sei muito bem que ele terá de amá-la. Só que ele não acredita no amor, como você já deve ter notado. — Estreitando o olhar, acres­centou: — Diga-me uma coisa: como poderei convencê-lo a acre­ditar no amor, se nem eu mesma acredito nele?

Manchado olhou-a em silêncio, como que lamentando a di­ficuldade que ela teria de enfrentar.

— Como está a sopa? — Pamela perguntou.

— Oh, muito boa.

— A minha está meio insossa.

— Talvez porque você não quis colocar queijo.

— Detesto queijo. E detesto sopa insossa.

Reed pegou o saleiro e aproveitou para olhar discretamente para o relógio. Droga. Teria de ficar ali pelo menos mais qua­renta e cinco minutos, antes de conseguir escapar.

— Sal faz mal para a saúde, sabia? — perguntou ela. Reed arqueou uma sobrancelha.

— É mesmo? Quer um pouco?

— Não estou gostando disso — disse Angie. — Os dois estão comendo a mesma coisa, mas parecem muito...

Manchado ganiu.

— Isso mesmo. Entediados. Onde está aquela chama que já deveria ter surgido entre os dois? Reed não segurou a mão de Pamela nenhuma vez, não lhe sussurrou nada ao ouvido e nem sequer a fez rir. — Ela olhou para o dálmata. — Como poderão ter um relacionamento duradouro agindo assim logo no primeiro encontro?

Rollo apareceu ao lado dela.

— Como está o jantar, srta. Fazpaz?

— Maravilhoso. Mudaram o tempero do molho do fettuccine?

O maitre assentiu. — Notou?

— E também acrescentaram anchovas — continuou ela. — E estão usando azeite grego. Essa não foi uma boa mudança, Rollo.

— Por favor, srta. Fazpaz — sussurrou ele. — Fale mais baixo, ou acabará revelando nossos segredos.

— Oh, desculpe-me.

Angie olhou mais uma vez na direção da mesa de Reed e fez um sinal para Rollo, que se inclinou para ouvi-la melhor.

— Com que freqüência ele vem aqui?

— O Sr. Harding? Duas vezes por mês pontualmente.

— Sempre com uma acompanhante diferente?

Rollo deu de ombros. — É bem raro, mas às vezes ele chega a se encontrar duas vezes com a mesma mulher.

Angie se tornou pensativa por um momento. Quando Rollo fez menção de se afastar, ela o puxou de volta.

— Nos encontros que duraram mais de uma vez, ele tentou beijar a acompanhante?

— Não que eu tenha notado — respondeu o maitre.

"Essa não!", pensou ela.

— Ele não tenta nem tocá-las?

Rollo pensou por um momento, antes de sorrir, com ar de triunfo.

— Isso só aconteceu uma vez. Ele ajudou uma delas a se levantar, porque a moça havia torcido o tornozelo.

Angie soltou-lhe o braço, deixando-o finalmente endireitar o corpo.

— Ele nunca discute com elas?

— Nunca.

— Nem compartilha segredos?

— O Sr. Harding? Imagine!

— Nem ri com elas?

O maitre balançou a cabeça negativamente.

— Obrigada, Rollo.

Manchado soltou um suspiro quando o maitre se afastou.

— Sim, foi o que pensei — disse Angie, lançando um olhar determinado na direção da outra mesa. — Parece que, além de trabalhar como secretária, também terei de ensinar a Reed algumas lições sobre romance. — Balançando a cabeça, acres­centou: — Até Deus duvida das coisas que nós, anjos, temos de fazer...

 

Uma semana depois, Angie havia acabado de arrumar uma pilha de papéis sobre a mesa de Reed quando Manchado levantou a cabeça de repente e latiu com animação. Pulando do sofá, correu em direção à porta e latiu novamente, agitando a cauda.

— Joel está aqui? — perguntou ela, arqueando uma sobran­celha e olhando para o relógio. — Mas ainda são seis horas. Um pouco cedo para ele haver chegado, não?

Ela atravessou a sala e abriu a porta devagar. Para sua surpresa, Joel estava diante de um armário de arquivos, pro­curando algo em meio às pastas.

— As pastas principais não estão mais aí — avisou ela. — Eu mudei alguns arquivos de lugar.

Joel se sobressaltou. —      Mas que diab...

Manchado latiu alto, em uma evidente reprimenda. Angie teve de se esforçar para conter o riso.

— Manchado não gosta de impropérios, Joel. Ele lê lábios, lembra?

— Oh. — Joel baixou o olhar por um instante. — Desculpe-me. Você me assustou e eu deixei escapar.

— Ele também não aprova furtos. — Cruzando os braços, ela acrescentou: — Nem eu.

— Eu não ia roubar nada. Apenas...

— Estava procurando a planta de outro projeto para visitar?

Ele deu de ombros, disfarçando o riso.

— Sim — confessou. — Tenho minhas próprias chaves do escritório e...

Manchado o interrompeu com um latido.

— Hei, eu não disse nada demais! — defendeu-se o rapaz.

— Não, mas Manchado também não gosta de mentiras.

Joel suspirou, exasperado. — Droga! Quero dizer...

Angie riu. — Não se preocupe. Às vezes, também sou censurada por isso. Mas estou melhorando.

— É censurada por mentir ou por falar impropérios?

— Por falar impropérios — respondeu ela. — Eu nunca minto.

Joel assentiu, olhando para o cão. — E ele sabe quando alguém mente? — perguntou, curioso.

— Sim.

— Como?

— Manchado tem seu próprio detector de mentiras — ex­plicou Angie, em um tom de confidência. — Às vezes, ele se torna bem inconveniente com isso.

— Diab... Puxa — emendou Joel. — Fico contente que Reed também não tenha um desses "detectores".

O comentário foi tão espontâneo que Angie não conseguiu conter o riso.

— Aposto que sim. Quer tentar se explicar novamente?

— Eu... hum... peguei as chaves emprestadas... — Ele se encolheu quando Manchado latiu com firmeza. — Está bem, está bem! Peguei as chaves de Reed há alguns dias e mandei fazer cópias. Então, quando quero encontrar uma construção que ainda não visitei, venho até aqui e dou uma olhada nos arquivos mais recentes. Já que a maioria das pessoas me toma apenas por um adolescente de quinze anos, consigo emprego provisório nos locais das construções.

— Até algum dos empregados de Reed reconhecê-lo?

— Sim — ele confirmou. Estreitando o olhar, perguntou: — E você? Vai me denunciar?

— Ainda não decidi — Angie respondeu.

— De qualquer maneira, não consegui encontrar o que estou procurando. Seria preciso mais algumas "visitas" até descobrir onde você escondeu tudo.

—      Posso fazer uma sugestão?

— Joel deu de ombros. — Se quiser...

— Por que não trabalha comigo por alguns dias?

Ele deu um passo atrás, parecendo indignado. — Não quero trabalhar como um mero ajudante de secretária — declarou.

— Ora, muito obrigada pela consideração.

Joel enrubesceu, reconhecendo que fora indelicado. — Eu não quis ofendê-la. — Começando a perambular pelo aposento, protestou: — Ninguém me entende! Quero ter meu próprio trabalho. Fazer um projeto do começo ao fim com mi­nhas próprias mãos.

— Você quer ser como Reed — afirmou Angie. Quando Joel não negou o fato, ela continuou: — Escolheu o ramo de cons­trução porque foi nisso que seu irmão começou a trabalhar quando tinha sua idade, não é?

— Sim. Ele pôde fazer isso. Então por que não posso?

— Também vai continuar os estudos, como fez seu irmão?

— Talvez.

— Reed trabalhou duro para construir esta companhia. Foi preciso uma boa dose de trabalho, inteligência e ambição. Além de muito estudo.

— Não tenho medo de trabalho pesado. E sou ambicioso tam­bém. O problema é que ninguém confia na minha capacidade.

— Ninguém está dizendo que você não tem capacidade para trabalhar no ramo de construção. Mas pense em como Reed e sua mãe se sentiriam se algo lhe acontecesse?

— Apenas colocariam a culpa em mim. De novo — resmun­gou ele.

— De novo?

Joel deu de ombros, sem responder. Depois de alguns se­gundos, voltou a olhá-la. — Se ninguém me deixar trabalhar nas construções, o que deverei fazer? Como provarei que sou competente?

— Primeiro precisa convencer Reed de que seu interesse é sincero.

— Ah, é? — disse Joel, com impaciência. — E como farei isso?

Pelo menos ele estava ouvindo, pensou Angie. — Qual dos projetos é o seu preferido?

— O de Wellsby — respondeu ele, sem hesitar.

— Aquele que Tigre supervisiona?

— Ele é o melhor contramestre de Reed. A construção ficará incrível — continuou ele, com entusiasmo. — Não é tão grande quanto outros projetos, mas tem uma estrutura complexa, como eu gosto. Essa semana, começarão a fazer a armação. Por isso eu queria estar lá.

— E que tal trabalhar com esse objetivo?

Joel estreitou o olhar. — O que está querendo dizer?

— Bem... que tal lidar um pouco com a parte burocrática? Poderia trabalhar como assistente de Tigre, encomendando ma­teriais, organizando sub-contratações...

— Mas eu queria ajudar diretamente na construção — pro­testou Joel.

— Tudo bem. Então por que não constrói uma maquete do prédio? Enquanto a equipe de Tigre faz a armação, você poderá ir um pouco mais além e fazer uma maquete com a sua idéia do projeto. Use cópias das plantas. Será um desafio porque você terá de recalcular as medidas escalares.

Joel demonstrou um súbito interesse. — Acha que Reed aprovaria?

— Terei de pedir a ele antes — respondeu Angie. — Mas acho que posso conseguir a aprovação dele. Mas você não poderá ir à construção sem estar na companhia de Reed ou de Tigre. Aprenda a observar a experiência dos dois, para aprimorar seus próprios projetos. O que acha?

— Eu... poderia tentar — respondeu ele, com cautela. Angie estendeu a mão, sorrindo.

— Negócio fechado?

— Apenas sob uma condição — salientou ele.

Foi à vez de Angie olhá-lo com cautela. — Que condição?

Um sorriso se insinuou nos lábios de Joel. — Quero estar presente quando explicar tudo ao meu irmão.

 

— Você concordou com o quê?

Angie lançou um olhar encorajador para Joel, antes de voltar a encarar Reed.

— Bem, você ofereceu um trabalho a Joel, e eu...

— Não me lembro de ter feito isso — Reed a interrompeu.

— No primeiro dia em que estive aqui ouvi você se oferecer para arranjar um trabalho para Joel. Suas palavras foram: "Se quer um emprego, vou lhe arranjar um. Mas não agora. Fim da conversa".

— Que conversa? — zombou Joel.

Reed o fuzilou com o olhar. — Disso eu me lembro. Agora se levante desse sofá e leve esse cachorro folgado com você.

— Hei, veja lá como fala! — protestou Joel, tapando os olhos de Manchado. — Ele é muito sensível e pode acabar se ofendendo!

Reed espalmou as mãos sobre a mesa e olhou para Angie. — A culpa é toda sua — disse.

Ela suspirou. — Eu sei. Sempre é.

— Acompanhe-me, por favor. Quero lhe mostrar uma coisa.

Angie lançou um sorriso encorajador para Joel, mas voltou a ficar séria assim que olhou para Reed. Ele a conduziu até a sala onde os outros empregados estavam trabalhando.

— Veja isso.

Ela se surpreendeu com a maneira casual como Reed passou o braço sobre seus ombros e a fez seguir em frente. Por que sempre ficava apreensiva quando ele a tocava?, Perguntou-se. Nunca tivera esse tipo de reação antes.

— O que tenho de olhar exatamente? — perguntou-lhe.

— Vamos começar com Mary Kressler.

— Bonito vestido o dela.

— É vermelho — salientou Reed. Angie sorriu.

— Não é à toa que gostei do modelo.

— Acontece que Mary nunca usou vermelho na vida. Agora olhe para Doris.

— Quem é Doris?

— Aquela que tingiu os cabelos de loiro platinado.

— Linda cor.

— Só que até ontem ela era morena.

Angie assentiu. — Fico contente que ela tenha corrigido o erro.

— Será possível que ainda não entendeu? — perguntou ele. — Chegou aqui há apenas uma semana e todas as mulheres do departamento já estão copiando seu visual!

— É mesmo? — Angie pareceu lisonjeada com a idéia. — Oh, não é maravilhoso?!

— Não! Isso está parecendo uma lavagem cerebral!

— Quanto exagero — ela censurou. — Mary ficou linda de vermelho. A cor destacou o tom bonito dos cabelos dela. Notou o quanto ela está sorrindo? Ela costumava sorrir tanto assim?

— Não me lembro.

— Provavelmente ninguém mais se deu conta disso. De agora em diante, passarão a notar. E Doris não apenas mudou a cor dos cabelos, mas também começou a usar maquiagem. Está vendo? Aquele rapaz "bonitão" da contabilidade está flertando com ela.

— Se o "bonitão" da contabilidade está flertando com ela, significa que ele não está trabalhando. Eu o pago para traba­lhar, e não para flertar com minhas funcionárias.

— Oh. — Angie arqueou uma sobrancelha, com ar questio­nador. — Quer que eu fale com eles a esse respeito?

Reed respirou fundo e olhou por cima do ombro, na direção de seu escritório.

— Não. Mas é que... agora Joel também está enfeitiçado por você.

O olhar de Angie se suavizou no mesmo instante. Tocando o braço dele, disse:

— Estou apenas tentando ajudar. Quer que seu irmão fique longe dos locais em construção, não quer? Pois isso o manterá afastado e dará a ele uma chance de aprender mais sobre o trabalho. Não é esse seu objetivo?

— Sim, mas...

— Será uma ótima oportunidade de Joel provar que é com­petente. — Angie franziu o cenho. — Sinto que, por algum motivo, isso é muito importante para ele. Estou certa?

Reed fechou os olhos por um instante. — Sim, é possível. Ele se culpa por um incidente ocorrido há alguns anos.

— A culpa foi mesmo dele?

— Parcialmente.

Angie olhou para o outro lado do salão, sorrindo ao ver Joel abraçando Manchado.

— Então deixe que ele corrija o erro — pediu a Reed. — Todos precisam de uma chance para reparar nossas faltas.

Reed a observou com mais atenção. — Está falando isso por experiência própria?

— Estou falando como alguém que acredita na capacidade das pessoas. Dê essa chance a Joel. Não vai se arrepender.

Reed se tornou pensativo por um momento, antes de assentir e dizer:

— Terei de pedir o consentimento de Tigre. Se ele aceitar, também aceitarei.

— Sei que reconciliar Reed e Joel não faz parte da minha missão! — declarou Angie, exasperada. — Não precisa me lem­brar disso.

Manchado ganiu, aninhando-se no sofá.

— Não diga tolices! Levá-los a fazer as pazes não deverá ser tão difícil. Afinal, o que poderia dar errado? — Ela abriu a agenda de Reed sobre a mesa. — Na verdade, isso pode até ajudar. Mantenha em mente que para encontrar o grande amor de Reed, precisarei da colaboração de Joel.

— Costuma falar sozinha com freqüência? — indagou uma voz vinda da porta.

Ao se virar, Angie viu Joel. No mesmo instante, ela lançou um olhar de reprovação para Manchado.

— Você deveria me avisar quando alguém chega! — pro­testou. Ficou ainda mais furiosa quando o cão mostrou os den­tes, em uma espécie de sorriso sarcástico. — Olá, Joel. Não vi que você estava aí.

— Foi o que imaginei. — Lançando um olhar curioso dela para o cão, perguntou: — Que história é essa de encontrar um grande amor para Reed?

— Isso deveria ser segredo — confessou Angie.

— É mesmo? Prometo que não contarei a ninguém.

— Não? — Ela o fitou com um olhar calculado. — Isso significa que está disposto a ajudar?

— A encontrar uma pretendente para Reed? Talvez.

Aquela não foi exatamente a resposta entusiasmada que Angie esperava ouvir.

— Não acha que ele deveria se casar? Ter filhos?

Joel deu de ombros. — Acho que sim. Se for o que ele quer.

Angie franziu o cenho, considerando a resposta estranha. — Qual o problema, Joel? — indagou, com gentileza.

— Nenhum.

Sim, havia algo errado. E qualquer que fosse o problema, ele parecia sério.

—      Não precisa se envolver, se não quiser. Posso cuidar disso sozinha.

Ele hesitou um momento e perguntou:

— Diga-me por que está fazendo isso. Qual seu interesse nessa história?

— Trata-se de uma missão que prometi cumprir.

— Prometeu a Reed?

— Não. Digamos que ela foi designada por alguém que tem mais autoridade do que seu irmão.

— Sei. — Joel assentiu. — Minha mãe deve tê-la enviado. Ela está tentando fazer Reed se casar desde que... — Ele não terminou a frase. — Posso conhecer a mulher que você escolher para Reed?

— Claro — anuiu Angie. — Já que mora com seu irmão, acho que essa é uma excelente sugestão. Mas primeiro terei de oferecer a Reed um breve treinamento sobre encontros românticos.

Joel arqueou uma sobrancelha. — Treinamento sobre isso? Reed?

— Sei que deve estar surpreso. Confesso que também fiquei. Mas quando vi o modo como ele agiu com Pamela, no Sarduccfs, achei que seria preciso uma "ajudazinha".

— Oh, deve ter sido uma das garotas que minha mãe manda para se encontrar com Reed de vez em quando. Ela é a pior casamenteira que conheço. Ainda bem que contratou uma es­pecialista desta vez.

— Sua mãe não me contratou — esclareceu Angie. — Na verdade, nossas missões coincidiram. Acha que me sairei me­lhor do que ela se saiu até agora?

— Bem, aposto que eu conseguiria mais resultados do que vocês duas juntas.

— Ótimo — aprovou ela. — Então está disposto a ajudar?

— Só se você me deixar acompanhar tudo de perto.

— Não quebrarei minha promessa — respondeu Angie, com gentileza. — Não farei Reed se casar com ninguém sem sua aprovação. Tem minha palavra.

— Obrigado. — A tensão desapareceu do rosto de Joel. — Como vai treiná-lo para encontros românticos?

Angie sorriu, com um ar maroto — Tenho um plano — confessou.

Joel também sorriu. — Algo cruel, demoníaco e condenável?

Ela riu alto. — Com certeza.

— Nesse caso, pode contar comigo!

Reed entrou no Sarduccfs com passos firmes. Essa seria a última vez que sua mãe faria isso com ele. Vinha tentando ser paciente com aquela idéia de casamento que ela insistia em manter, depois do fiasco que fora seu relacionamento com Emily. Mas toda paciência tinha um limite.

— Ora, mas que prazer revê-lo, Sr. Harding!

— Olá, Rollo. Para ser sincero, não estou muito contente em ter de voltar aqui.

O maitre sorriu. — Logo mudará de idéia, pode acreditar. Sua acompanhante já chegou. Quer que eu lhe mostre a mesa reservada?

— Sim, por favor.

Ao levantar mais a cabeça, qual não foi seu espanto ao avistar sua secretária ocupando a mesa principal. Continuava usando um vestido vermelho, como desde a primeira vez em que ele a vira. Mas aquele modelo, em particular, seria capaz de levar o controle de qualquer homem ao limite absoluto. Sustentado por duas alças finíssimas, possuía um generoso decote nas costas, que terminava bem próximo da cintura delgada.

Reed tentou desviar a atenção daquele rosto e do corpo ma­ravilhoso de Angie, mas simplesmente não conseguiu. Como poderia prestar atenção em sua acompanhante, com aquela verdadeira tentação diante de seus olhos? Sua última esperança era que sua mesa ficasse bem longe...

 

Rollo parou ao lado de Angie. — Pronto, Sr. Harding.

Reed franziu o cenho. — Como assim, "pronto"?

O maitre lançou um olhar apreensivo de um para o outro.

— Sua acompanhante desta noite é a srta. Fazpaz.

— Obrigada, Rollo — Angie o interrompeu. — Cuidarei de tudo agora.

— O que está acontecendo aqui? — perguntou Reed, indig­nado, quando o maitre se afastou.

— Quer se sentar enquanto eu explico? — sugeriu ela.

— Eu preferiria ir embora daqui.

— A escolha é sua. Não tentarei detê-lo.

— Sábia decisão.

Reed pensou em sair, sabendo que essa seria a atitude mais sensata a ser tomada, mas... Ora, desde quando sempre tinha atitudes sensatas na vida? Com um suspiro impaciente, puxou a cadeira e sentou-se.

— Diga logo o que está acontecendo, srta. Fazpaz.

— É uma longa história.

— Então comece logo.

Angie partiu um pedaço de torrada, sorrindo ao olhar para as migalhas que se espalharam pela toalha da mesa.

— Conheci uma pessoa que "lê" farelos de pão da mesma maneira como alguns lêem cartas. Já notou como eles formam padrões interessantes?

— Não — respondeu Reed, não parecendo muito interessado no assunto.

— Tente observar.

— Srta. Fazpaz...

— Angie, lembra?

— Angie...

— Por favor. Quebre outro pedaço de torrada para mim — pediu ela.

Reed não acreditou que aquilo estivesse acontecendo. Mesmo paciente, pegou uma torrada e quebrou-a ao meio.

— Está satisfeita agora?

Angie pegou os óculos na bolsa e colocou-os. Em seguida, levantou-se e ficou ao lado dele, inclinando-se até que seus ombros quase se tocassem.

Um delicioso perfume invadiu as narinas de Reed, deixando-o entontecido por um momento. A essência floral, com um leve toque amadeirado, aguçou-lhe os sentidos, levando-o a imaginar como seria inspirar aquele perfume diretamente na pele de Angie.

— Interessante...

O comentário o trouxe de volta à realidade.

— O quê?

— O padrão que os farelos de sua torrada fizeram sobre a toalha.

— Isso é ridículo, Angie. Não estou interessado...

— Deixe-me continuar, por favor. Faz muito tempo que não pratico isso.

Sem esperar pela resposta, ela tomou a mão direita dele e colocou em sua palma um punhado de queijo parmesão. Soprando-o com gentileza, deixou que os flocos de queijo caíssem sobre os farelos de torrada.

— Para que está fazendo isso? — perguntou ele.

— Os farelos representam nossas ações e as decisões que tomamos. O queijo representa nossas emoções.

Reed conteve o riso.

— Claro. Faz muito sentido. E o que tudo isso está dizendo?

— Bem, primeiro que você é uma pessoa muito fechada. Está vendo como os farelos se espalharam pouco? Isso mostra o lado reservado de sua personalidade.

— Exatamente o contrário da sua, não?

Angie sorriu. — Sim — confirmou, apontando os farelos de sua torrada. — Está vendo? Os meus se espalharam para todos os lados. Isso significa que sou expansiva perante a vida.

— Não sei por quê, mas não estou surpreso em ouvir isso.

Angie fitou-o com seus lindos olhos azuis.

— O que isso significa? — perguntou Reed, perturbado com a intensidade daquele olhar. — Quais são as características de uma pessoa fechada?

— Elas gostam de manter o controle sobre a própria vida e sobre a de todos que se encontram próximos.

— Isso também não me surpreende — declarou ele.

— E organizado e cauteloso... — Angie voltou a olhar para a mesa. — Os farelos estão organizados, exceto...

— Exceto o quê?

— Está vendo como alguns se espalharam um pouco nas tangentes?

— Isso é pura física, Angie. Quando você joga algo de uma determinada altura, a substância tende a formar padrões similares.

— Similares, mas não iguais — ela salientou. — É exatamente nisso que reside a arte desta leitura específica. Deixe-me ver se ainda me lembro... As tangentes representam seu futuro. A maneira como os farelos caíram indicam que você está pro­curando algo.

— O quê, exatamente? — indagou Reed, com um brilho de ironia no olhar. — Você?

— Não. — Angie se voltou para ele, mantendo-se bem pró­xima. — Você está procurando uma mulher para amar pelo resto da vida.

Os lábios de Reed se curvaram em um arremedo de sorriso. Deveria ter imaginado que ela acabaria dizendo aquilo. Aquela história a respeito de quererem lhe arranjar uma pretendente já estava passando dos limites. Como se não bastasse sua mãe viver insistindo naquilo, sua nova secretária também se tornara aficionada pela idéia.

Com um gesto impaciente, estendeu a mão e espalhou os farelos sobre a mesa.

— Pois você errou, minha querida. Essa é a última coisa de que preciso no momento. — Segurando-a pelo braço, e esforçando-se para ignorar a maciez daquela pele, acrescentou: — Agora me diga o que está fazendo aqui. E é melhor que tenha um bom motivo.

— Bem... — Angie forçou um sorriso. — Sei que ficará sur­preso, mas sou sua nova treinadora amorosa.

 

Reed levou alguns segundos para entender o significado do que Angie dissera.

— Treinadora amorosa?

— Isso mesmo. É simples: sairemos juntos algumas vezes e eu lhe ensinarei como deve agir com uma pretendente. — Mantendo um tom gentil, indicou o braço que ele continuava segurando. — Por exemplo, nunca deve segurar o braço de uma mulher com tanta força. Isso pode deixar um hematoma.

Reed a soltou no mesmo instante. Angie sorriu, com ar de agradecimento, e voltou a ocupar a outra cadeira, diante dele.

— Obrigado pelo conselho — disse ele. — Tentarei me lem­brar dele. Importa-se se eu também lhe der um?

— Nem um pouco.

Reed se inclinou para frente. —  Nunca aborreça seu chefe. Isso pode conduzi-la a uma séria situação de desemprego.

Angie suspirou. — Desconfiei que você não iria gostar disso.

— Então por que insistiu no assunto?

— Observei seu comportamento com Pamela na outra noite.

— Minha vida pessoal não lhe diz respeito — replicou Reed.

— Passou a dizer quando você solicitou minha ajuda para encontrar uma esposa.

— Não me venha com essa história de novo.

— Não quer se casar e formar uma família? — perguntou Angie.

— Sim, mas somente quando eu estiver pronto para isso.

— Então por que aceita participar desses encontros marca dos por sua mãe?

— Porque não me custa nada deixá-la um pouco animada e isso a ajuda a aliviar a consciência quanto a alguns problemas do passado.

— Aliviar a consciência? — Angie franziu o cenho. — Estou enganada ou isso significa que você teve algum compromisso sério no qual sua mãe interveio?

Reed não respondeu, sem querer mencionar Emily e as cir­cunstâncias sob as quais ela o deixara.

— Não quero falar sobre isso — respondeu. —É minha secretária, no caso de haver esquecido. Não sei por que minha família resolveu envolvê-la nisso, mas eu agradeceria se não se intrometesse.

— A lista...

— Aquilo deve ter sido uma brincadeira de mau gosto — Reed a interrompeu. — Não preciso de uma esposa. Pode ser até que eu mude de idéia no futuro, mas quero fazer isso por mim mesmo, e não por influência de minha mãe ou de minha secretária. Fui claro?

— Sim. — Um sorriso se insinuou nos lábios de Angie. — Mas já que estamos aqui...

— Acha que devo aproveitar sua oferta para treinarmos como deve ser um encontro amoroso?

— Isso mesmo — confirmou Angie. Tirou da bolsa o bloco de anotações. — Fiz uma lista de sugestões que poderá ajudá-lo.

Reed estava começando a ficar impaciente. — Mas que surpresa! — ironizou.

— Quer ouvi-las?

— Vai adiantar se eu disser que não?

Angie sorriu, com um ar sedutor. — Acho que não — respondeu.

— Então, fale logo de uma vez.

— Está bem. Levando-se em conta apenas os pontos básicos, temos o seguinte... — Ela olhou para o papel. — O encontro inicial. Ele é vital, pois as primeiras impressões são as mais importantes. Em segundo vem à conversa preliminar, que ofe­recerá a melhor chance para você despertar o interesse dela. Em seguida, vem à discussão sobre o que pedirão para jantar.

— Voltando a olhá-lo, acrescentou: — Notei que você e Pamela não conversaram muito naquela noite.

— Tem razão — confirmou Reed. — Estávamos tão preo­cupados em comer o linguado que pedimos depois da entrada que não restou muita disposição para a conversa.

Angie arqueou uma sobrancelha.

— Pediram linguado em um restaurante italiano? Ora, isso é mesmo curioso.

Reed apenas deu de ombros. — Somente depois de fazerem os pedidos é que devem co­meçar uma conversa mais séria — continuou ela. — Durante o jantar, deve flertar um pouco, por meio de olhares. A hora do café, tente tocar a mão dela, se for possível.

— Não acha que está apressando um pouco as coisas? — ele indagou.

— Não. O toque também é vital para firmar a ligação. Fi­nalmente, vem à sobremesa, que pode ser entendida tanto no sentido real quanto no... figurado. Também pode ser chamada de "loucura de amor".

— O que diabos é isso?

Ela arqueou as sobrancelhas. —         Nunca sentiu a "loucura de amor"? Ela acontece quando a atração entre um homem e uma mulher é tão poderosa que ambos nem se dão ao trabalho de terminar a refeição. Digamos que "detalhes mais importantes surgem à mente". O desejo de privacidade passa a ser mais relevante do que o jantar ou qualquer outra coisa.

Reed se inclinou para frente. — Isso se chama "desejo sexual", srta. Fazpaz.

Angie também se inclinou para frente. — Isso se chama "amor", Sr. Harding!

— As mulheres chamam isso de amor. Os homens chamam simplesmente de aliviar...

— Por favor, Reed! — Ela o censurou. — Não é de admirar que precise de algumas lições de como se comportar diante de uma dama.

Ele reconheceu que fora longe demais. —   Desculpe-me, Angie. Acho que tem razão e que preciso mesmo de alguns conselhos.

Ela estreitou o olhar, com ar de suspeita. — Está falando sério?

— Seria interessante ver onde aquilo tudo ia dar, pensou ele.

— Sim — respondeu. — Vamos começar de novo, está bem? Acabamos de chegar ao restaurante e estamos em nosso pri­meiro encontro. O que causaria a melhor impressão possível?

— Um sorriso.

— Só isso?

— E um ótimo começo — salientou Angie. — Notou que não sorriu sequer uma vez para Pamela?

— Bem, houve um motivo para isso — ele se justificou. — Pamela não me deu o mínimo motivo para sorrir. — Quando Angie fez menção de protestar, ele completou: — Está bem, vou sorrir mais. O toque acontece nesse momento?

— E aceitável que a cumprimente com um aperto de mãos logo no início. Eu evitaria beijo no rosto, pois isso já é muito usado. Ah, e não beije a mão dela sob hipótese alguma. A menos que você fosse europeu, isso seria uma gafe. Não é europeu, é?

— Não. Sou norte-americano. Por quê?

Ela deu de ombros. — Nunca fui cumprimentada com um beijo na mão. Achei que poderia ser uma nova experiência. Mas vamos deixar isso de lado. — Voltando a analisar as anotações, Angie disse: — Durante a conversa preliminar você deve tentar "quebrar o gelo".

— Nunca fui muito bom nisso.

— Tente começar perguntando como ela conheceu sua mãe.

— Ótima sugestão. Como você conheceu minha mãe?

A pergunta pegou Angie de surpresa. Ela o olhou por um instante, em silêncio.

—      Eu... não conheço sua mãe.

Reed estreitou o olhar, desconfiado. — É mesmo? Mas foi ela quem reservou a mesa para esta noite. Como ela poderia ter feito isso sem conhecê-la?

— Isso não é importante...

Um brilho de fúria surgiu nos olhos dele.

—      Você planejou isso com ela, não é? Talvez até com a ajuda de Joel... — sugeriu Reed.

Angie o fitou com apreensão. — Está começando a ficar aborrecido de novo. Esse não é um comportamento recomendável para um primeiro encontro.

— Por acaso vocês três se uniram e decidiram que preciso de instruções para sair com uma mulher? Estão juntos nisso?

Angie não podia mentir, mas também não queria dizer a verdade. Por fim, o silêncio pareceu a melhor opção.

— Não está mais sorrindo. — Foi tudo que disse a ele.

— Todo mundo parece saber o que é melhor para mim — declarou Reed, ignorando o comentário dela.

— Não é bem assim...

— Quer mesmo me ensinar a ser uma boa companhia? — ele a interrompeu.

— Se isso significa outra mudança de assunto, eu adoraria ensiná-lo a ser uma boa companhia.

— Então prossiga, srta. Fazpaz, porque essa pode ser sua última função na minha empresa.

Na verdade, tratava-se de sua "última oportunidade", pensou Angie, ciente de que não poderia dizer isso a ele.

— Deveria estar sorrindo, lembra-se?

— Oh, claro. — Reed mostrou os dentes. — Que tal?

— Por enquanto, serve.

— O próximo passo é conversarmos sobre assuntos gerais — ele sugeriu.

— Talvez devêssemos pular essa parte. Isso sempre parece despertar seu lado mais mal-humorado.

— Somente quando descubro que fui enganado.

— Não menti para você. Nenhuma vez. Pode até não gostar dos meus métodos, mas respondi a todas as suas perguntas apenas com a verdade.

— Então responda mais essa: acha mesmo que preciso de seus serviços, Angie? E que não sei como tratar uma mulher durante um encontro?

Angie olhou-o com atenção. Não, Reed não precisava de ajuda para conquistar uma mulher. Se ao menos ela não fosse um anjo...

Uma estranha sensação a dominou de repente. Por que es­tava pensando aquilo? Fora enviada até ali para arranjar uma esposa "terrena" para ele. Alguém que pudesse amá-lo de corpo e alma. E esse alguém não era ela.

— O que foi, Angie?

A pergunta de Reed a trouxe de volta à realidade. — Eu estava pensando no seu futuro...

— Pela sua expressão, não pareciam pensamentos lá muito bons.

— Eram bons, sim.

— E você disse que nunca mente?

— Não posso. Mas confesso que às vezes sinto vontade de fazê-lo.

— Foi isso que aconteceu agora? — questionou ele.

— Não. — Angie o fitou nos olhos. — Mas reconheço que nem sempre é confortável dizer a verdade. Às vezes, minha atitude parece irritá-lo.

— Ótima observação.

— Obrigada. Mas prefiro continuar sendo franca. Eu o ob­servei com Pamela e acredite-me: um pouco de treino não lhe fará nenhum mal.

— Está bem.

Angie não gostou da maneira como Reed a olhou. A expressão dele a fez lembrar-se de Manchado, quando pretendia colocá-la em alguma cilada.

— Vou praticar minhas habilidades de conquistador com você — disse ele. — Promete me avisar se eu cometer algum erro?

Ela continuou a fitá-lo com um ar desconfiado. Por que es­tava se sentindo tão insegura? A missão com Reed representava sua chance de provar que era capaz. Sua última chance.

— E então? — insistiu ele. — Acordo fechado?

Angie assentiu. Afinal, não tinha muita escolha.

— E quando me ensinar tudo que sabe, esquecerá essa tolice de encontrar uma esposa para mim?

Angie sorriu. — Pode levar algum tempo para eu conseguir lhe ensinar tudo que sei.

— E mesmo? Mal posso esperar para começar — insi­nuou Reed.

O garçom se aproximou e Reed pediu vinho e um tira-gosto.

— Agi certo? — perguntou ele, quando o garçom se retirou.

— Ou deveria ter perguntado qual é sua preferência?

Estaria zombando dela?, Angie se perguntou. Não saberia dizer. Decidindo levá-lo a sério, respondeu:

— Uma mulher não se incomoda se o homem toma a iniciativa em certos momentos. Isto é, se ele realmente souber o que está fazendo.

— O que vem a seguir na sua lista? Oh, já sei: hora de ini­ciarmos a conversa mais séria. — Com um sorriso insinuante, ele acrescentou: — Por que não parte outra torrada e me diz o que está vendo? Não disse que consegue ler o futuro nas migalhas?

Angie umedeceu os lábios, sem gostar do rumo que a con­versa estava tomando.

— O passado, o presente e o futuro — salientou. — Pelo menos, foi o que aprendi.

— Então me diga o que mostra seu futuro.

Angie não queria olhar os farelos. Afinal, o que poderia descobrir que já não soubesse? Sabia que nunca poderia ficar com Reed e que seu futuro estava definido. Todavia, não queria ver que sua missão tinha chances de falhar e que ela poderia acabar sendo expulsa do paraíso.

— Acho melhor não fazer isso — respondeu, em um sussurro.

— Por quê?

— Porque não quero saber sobre esse assunto.

— Está com medo — afirmou Reed.

Angie sorriu. — Um pouco.

— Do que tem medo?

Ela hesitou. — Você não entende.

— Então explique.

— Os farelos não podem mostrar meu futuro.

Na verdade, ela não tinha futuro. Pelo menos, não na terra.

— Pode ver o meu, mas não o seu? — perguntou Reed.

— Não exatamente. E que... a leitura não serviria para mim. Além do mais, isso não passa de uma brincadeira.

— Leia assim mesmo — insistiu ele. — E não se esqueça do queijo.

Relutante, Angie pegou outra torrada e a quebrou ao meio, espalhando farelos sobre a mesa. Em seguida, colocou um punhado de queijo na mão e soprou-o com gentileza por cima das migalhas.

— Reed...

— Comece pelo passado.

Ela olhou para o resultado, mesmo sabendo que não era preciso fazê-lo para saber o que estava escrito em seu passado. A dis­tribuição do queijo havia formado um semi-arco sobre os farelos.

— Aqui diz... — Pigarreou e tentou novamente, esforçando-se para parecer mais segura. — Bem, está mostrando as carac­terísticas de alguém que viveu com entusiasmo. Uma pessoa que cometeu muitos erros, mas que nunca abrandou sua exal­tada passagem pela vida.

— Há um bocado de migalhas nesta parte aqui. — Reed apontou.

— Esses foram meus erros.

— Pelo visto, cometeu muitos.

— Isso pode acontecer a qualquer um.

— E o presente? — ele indagou, em um tom mais brando. Angie apontou um pequeno círculo que se formara no meio da mesa.

— Está aqui.

— É tão pequeno.

— O seu presente também é pequeno, ou breve se preferir.

— E o que diz aí?

De fato, as migalhas mostravam exatamente o que ela já esperava. — Diz que embora meu tempo aqui seja curto, também acabarei cometendo erros.

— Um passado e um presente difíceis? Isso não parece justo.

Angie olhou para ele. — Nosso senso de justiça não se aplica às regras do uni­verso, Reed.

— E quanto ao futuro.

Havia somente queijo na área que indicava o futuro.

—      Está vendo? — disse a ele. — Não há nenhum farelo.

O que aquilo indicava mesmo? Que o futuro seria fácil ou que simplesmente não haveria nenhum? Não se lembrava ao certo do que sua amiga dissera enquanto a ensinava a ler farelos. Porém, não poderia dizer nada disso a Reed.

Felizmente, o garçom chegou com o pedido, pondo um fim ao assunto desagradável. Assim que fizeram os pedidos para o jantar, e que o garçom se retirou, Reed pediu desculpas a ela.

—      Eu não queria aborrecê-la — explicou, com um sorriso. — Acho que realmente preciso de sua orientação.

— Ainda bem que admitiu.

— Vejamos... Que outros assuntos podemos discutir? — Ele estalou os dedos, parecendo haver tido uma idéia repentina. — Já sei! Como ficou sabendo que eu estava precisando de uma secretária?

Angie respirou fundo, sentindo-se encurralada mais uma vez. — Fui enviada até você pelo meu supervisor.

— O Sr. Gentil, certo?

— Ele mesmo.

— E o que ele tem contra mim?

A pergunta foi feita de uma maneira tão espontânea que Angie não conteve o riso.

— Confesso que já me fiz a mesma pergunta.

— E qual foi a conclusão a que chegou?

— Acho que merecemos um ao outro — respondeu ela. Foi a vez de Reed sorrir.

— Talvez tenha razão — ele admitiu, tomando um gole de vinho. — Conte-me onde mais trabalhou antes de pousar a porta do meu escritório.

Angie sentiu vontade de rir ao ouvir aquilo. Se ele soubesse que "pousar" era realmente a palavra mais correta para definir sua chegada...

— Passei por vários tipos de trabalho — respondeu. — Fui gerente de hotel, trabalhei em uma firma de advocacia, em uma fazenda de gado, em uma empresa de computação e tam­bém passei algum tempo como empregada em uma doca. Fui até chef de cozinha.

Reed arqueou as sobrancelhas. — Chef? Onde?

— Aqui mesmo.

Ele se tornou pensativo. — Rollo mencionou algo sobre um incêndio?

Angie desviou a vista. — Admito que não foi um dos meus momentos profissionais mais felizes.

— E todos os outros empregos seguiram o mesmo exemplo... desastroso?

— Receio que sim. Mas não se preocupe. Não há como eu causar um grande estrago na Construtora Harding. Na verdade, considero-me uma excelente secretária. Alguns desses outros empregos não tinham nada a ver comigo.

— Não sei se isso me deixa mais tranqüilo — confessou Reed.

— Não se preocupe. Preciso me sair bem nesse emprego porque Gentil está esperando isso de mim.

— E se não der certo?

— Você não sofrerá, prometo. Mandarão alguém consertar meus erros.

— E o que acontecerá com você?

Angie deu de ombros, forçando um sorriso. —      Se o faz sentir-se melhor, nunca mais serei mandada para intervir na vida de ninguém.

Reed franziu o cenho. — Essa é sua última chance?

— A décima terceira — ela salientou.

— E vão despedi-la se falhar de novo?

"Hora de mudar de assunto", pensou Angie.

— Está se saindo muito bem, Reed. Está demonstrando a dose perfeita de interesse e de preocupação pelo que estou dizendo. Nenhuma mulher é capaz de resistir a um homem que consegue fazer isso.

— Não estou preocupado com isso — resmungou ele. — Estou falando sério. O que fará se for despedida desse emprego?

Angie tentou amenizar a expressão de preocupação com um sorriso.

— Não se aflija com isso. Ficarei meio perdida a princípio, mas já estou acostumada com esse tipo de situação. — Quando ele não pareceu muito convencido, ela insistiu: — Reed, meu mundo não vai acabar por isso. Como eu disse, você não sairá prejudicado. Gentil mandará uma equipe de limpeza e...

— Equipe de limpeza?

— Oh, é apenas modo de falar. Raramente existe algo para eles limparem.

— Exceto quando você provoca um estrago grave?

— Sim. Mas isso é bem raro.

— Não sabe quanto estou aliviado em ouvir isso — ironizou Reed. — Tenho até medo de perguntar como se saiu em seus outros empregos.

— Então acho melhor não fazê-lo. Oh, aí vem o jantar.

— Boa escapada — resmungou ele.

Para alívio de Angie, Reed esqueceu o assunto e ambos passaram a conversar sobre os projetos em andamento.

Quando ela estava suficientemente relaxada, ao final do jan­tar, Reed colocou o prato de lado e fitou-a nos olhos, inclinando-se para frente ao perguntar:

— Está pronta para admitir a verdade agora? Angie sentiu um frio na espinha.

— Como assim?

— Estou esperando que explique o que estamos fazendo aqui, mas até agora não notei nenhuma cooperação de sua parte.

Com cuidado, ela colocou os talheres sobre o prato.

— Já não falamos sobre isso?

— Apenas mencionamos o assunto uma porção de vezes. A pergunta que quero ter respondida é por que está tão interessada na minha vida amorosa. Que diabo de trabalho é esse seu?

— Você não entende...

— Então me explique!

— É... complicado.

Reed tocou a mão dela sobre a mesa. — Você prometeu sempre dizer a verdade.

— Por favor, não me peça para responder a essa pergunta em particular.

— Por quê? Eu não gostaria da resposta?

Angie se esforçou para conter um arrepio involuntário. — Reed...

— Diga-me por que realmente está aqui, Angie. Não providen­ciou este encontro por achar que eu precisava de lições de flerte.

Ela fitou-o com um ar indignado. — Claro que foi!

— Então por que está me olhando desse jeito?

— De que jeito?

— Como se estivesse desesperada para se atirar nos meus braços.

— Não estou fazendo isso!

— Disse que nunca mente — lembrou Reed. — Mas seus lábios dizem uma coisa e seus olhos mostram outra. Estou vendo neles um brilho de desejo, de excitação...

— Pare, Reed. Por favor.

— Relaxe, meu anjo. Sinto o mesmo que você, e desde a primeira vez em que nos vimos. Notei que seu vestido vermelho era sinônimo de problemas, mas não tive força de vontade suficiente para mandá-la embora.

— Não deveria estar me dizendo tudo isso.

— Mas não é para isso que estamos aqui?

Angie teve a desagradável sensação de que seu comporta­mento prejudicara sua missão. Mais uma vez.

— O que está querendo dizer? — perguntou a ele.

— Você me quer, Angie, tanto quanto eu a quero. Não foi por isso que marcou este encontro?

— Não! Você entendeu tudo errado! Marquei este encontro para ensiná-lo a se comportar durante um encontro amoroso.

— Não me diga! Veio ter um encontro comigo, e não para me ensinar a ter um.

A inegável lógica do que Reed dissera a deixou aflita por um momento.

— Está enganado.

— Pare com isso, Angie. Por que não usa um pouco dessa sinceridade que você tanto preza e admite a verdade? Vamos acabar logo com isso. Conversamos, trocamos olhares, até nos tocamos... Não quero saber do café. Pode chamar isso de "lou­cura de amor", se quiser, mas admita' a verdade de uma vez por todas e venha para casa comigo.

Angie o olhou em silêncio, boquiaberta. —Não. — Balançou a cabeça devagar. — Você entendeu tudo errado.

De súbito, afastou a cadeira para trás e pegou a bolsa. Saiu o mais rápido que pôde em direção à saída. Ouviu Reed chamar seu nome, mas ignorou-o e seguiu em frente. Passou por Rollo em disparada e entrou no vão da porta giratória. Sentiu Reed logo atrás de si, mas não parou.

— Ah, a "loucura de amor"... — suspirou o maitre, olhando os dois saírem em disparada. — Finalmente!

— Angie, espere! — gritou Reed, segurando-a pelo braço, assim que conseguiu alcançá-la.

— Não!

Ela se virou para ele, no mesmo instante em que um relâmpago faiscou no céu, anunciando uma chuva próxima. Por um mo­mento, a natureza pareceu compartilhar a angústia de Angie.

— Você não entende, Reed. Está tudo errado! Tudo!

— Então me explique o que está acontecendo — pediu ele.

— Não estou aqui por sua causa. Isso... Isso que existe entre nós... É impossível.

— E mesmo? — Ele a segurou pelos braços e puxou-a com delicadeza para si. — Jurou que não mentiria para mim. Mas é exatamente isso o que está fazendo agora, ao querer me convencer de que não sente nada por mim.

— Não há nada entre nós, Reed. Não pode haver! — in­sistiu ela.

— Pois posso provar que existe. — Segurou o rosto de Angie entre as mãos. — Basta que eu faça isso...

 

Reed inclinou a cabeça devagar, mas hesitou, surpreso com a expressão atônita no rosto de Angie. Um brilho de lágrimas surgira nos olhos dela, provando que estava falando sério. Por um momento, ele captou toda a vulnerabilidade que havia por trás daquela postura firme e desinibida.

Angie permaneceu ali, diante dele, indefesa e esperançosa ao mesmo tempo. Ao longe, outro relâmpago faiscou no céu. Por um instante, a iluminação natural deixou-a com um aspecto pálido e revelou ainda mais o que ela tentava esconder.

Angie estava com medo!, Concluiu ele, chocado.

— O que foi, Angie? Do que está com medo?

Ela continuou a olhá-lo, não parecendo disposta a responder. De súbito, levantou a cabeça, parecendo indignada.

— Não acredito que isso esteja acontecendo! Quer mesmo uma resposta? Pois bem, vou lhe dar uma: tenho receio de que isso fuja do nosso controle e que meu trabalho acabe indo por água abaixo. Tenho medo do futuro, mas principalmente do que eu... — Ela não terminou a frase.

Tentou se afastar, mas Reed não a soltou.

— Termine — insistiu ele. — Qual é seu maior receio?

— Tenho receio do que estou sentindo. Pronto! Está satisfeito agora?

— É apenas um beijo, Angie. Não há o que temer.

Reed foi inclinando a cabeça devagar, esperando por uma recusa que não aconteceu. O silêncio de Angie lhe deu a per­missão que ele precisava. Seus lábios tocaram os dela com gentileza, sentindo aos poucos seu sabor adocicado. O beijo quase casto ofereceu a ambos apenas uma breve amostra de quanto mais poderiam compartilhar se fossem além.

— Viu? — murmurou Reed, quando se separaram. — Não há nada a temer.

Angie não fez menção de escapar. Parecia maravilhada e apreensiva ao mesmo tempo, diante do que acabara de experimentar.

Talvez tudo que ela precisasse naquele momento fosse de um toque carinhoso, pensou Reed.

De qualquer maneira, aquela reação o levou a querer tocá-la mais uma vez.

Devagar, beijou-a novamente, mas daquela vez puxou-a para si com intensidade, explorando os doces recantos daquela boca convidativa.

Angie fechou os olhos, entregando-se às sensações, tão re­pentinas quanto as gotas de chuva que começaram a cair na região.

— Está vendo? — repetiu ele, em um murmúrio, ao se afas­tar. — Não há nada a temer.

As gotas de chuva começaram a molhar os cabelos de Angie, deixando-a com uma aparência mais natural e ainda mais bonita.

— Eu lhe disse que isso era impossível — insistiu ela. — Não podemos continuar com isso!

— Por quê?

Angie respirou fundo, impaciente. —   Porque não sou uma mulher, Reed. Sou um anjo! Fui enviada até aqui para encontrar uma esposa para você. Pronto! Que tal esse nível de sinceridade?

Reed riu. —        Sabia que você é maluca? E eu sou ainda mais por ficar aqui, ouvindo isso, em vez de tirá-la desta chuva.

Como que respondendo ao comentário dele, um táxi parou bem diante do restaurante, deixando duas pessoas à porta. Tomando-a pela mão, Reed levou-a em direção ao veículo. De­pois de dizer o endereço ao motorista, Reed puxou-a para o calor de seus braços.

Porém, no momento em que o táxi começou a se afastar, Angie avistou Manchado na calçada do restaurante, fitando-a com um olhar perigosamente perspicaz.

— Por que estamos indo para o escritório? — ela indagou, depois de alguns minutos de silêncio.

— Vamos nos secar por lá — respondeu Reed. — Transformei uma parte do prédio em um pequeno apartamento. Uso o local nas noites em que tenho de trabalhar até tarde. Poderemos tomar um banho quente e vestir roupas secas, antes de você ir para casa.

— Não é lá que você mora com Joel?

— Não. Nós dividimos um apartamento fora da cidade. A governanta cuida de tudo para ele quando não posso estar presente.

— E não seria aconselhável levar sua secretária para lá, certo?

— Certo — ele confirmou. — Principalmente porque deixei meu carro no escritório e não teríamos transporte para voltar ao trabalho, amanhã cedo.

— Entendo.

— Prefiro não levar nenhuma visita feminina para casa. Não quero que Joel se sinta no direito de fazer o mesmo.

— Por isso mantém seus romances torrenciais no escritório?

— Muito engraçado.

O táxi parou diante do edifício da construtora e Reed pagou o motorista.

— Venha. Vamos entrar.

Entrar no prédio vazio provocou uma sensação estranha em Angie. Encontraram um segurança na portaria, mas não viram nenhuma outra pessoa no caminho até o apartamento.

Quando as portas do elevador se abriram, Reed digitou um código de segurança e ficou de lado para ela seguir em frente.

Logo Angie pisou em um carpete felpudo, cujo tom amarronzado combinava com os móveis de mogno da decoração. O ambiente não chegava a ser suntuoso, mas era marcado por uma atmosfera elegante e de muito bom gosto.

Angie se aproximou da enorme janela de vidro e olhou para fora, onde a chuva continuava a cair. Avistou o brilho da água do rio que atravessava a cidade.

— Esse rio transbordou há alguns anos. Não foi? — per­guntou ela, quebrando o silêncio. — Lembro-me de ter lido a notícia no jornal.

— Sim, foi uma situação bastante difícil — confirmou Reed, aproximando-se dela. — A água subiu tanto que cobriu as ruas próximas.

— Deve ter sido um verão terrível.

— Não morava aqui na época? — perguntou ele.

— Não.

— Em qual de seus vários empregos você estava na época? No hotel, na doca...

— Em nenhum deles. Eu estava levando minha própria vida. Antes... — Ela apontou para cima. — Você sabe...

— Antes de se tornar um anjo?

Angie notou o tom jocoso na voz dele, mas fingiu ignorá-lo. — Isso mesmo — afirmou.

— Está com frio.

Surpresa, ao descobrir que estava tremula, Angie enlaçou os braços em torno da própria cintura.

— Estou bem. E bom experimentar essas sensações novamente. Eu não tinha idéia de quanto sentia falta disso até... — Ela se interrompeu, com receio do que poderia acabar dizendo.

Se não se controlasse, acabaria explodindo em lágrimas dian­te de Reed. E isso era a última coisa que desejava no mundo.

— Quer tomar um banho? — perguntou ele. — Devo ter algum suéter que servirá para você usar até em casa.

— Não acredita em mim, não é? — questionou Angie.

— Sobre você ser um anjo? — Reed segurou-a pelos ombros, deslizando as mãos para baixo bem devagar. — Importa-se de me mostrar suas asas?

— — Não tenho controle sobre quem consegue vê-las ou não. Às vezes, elas ficam visíveis, mas outras vezes... — Ela deu de ombros.

— E a auréola? — Reed passou a mão pelos cabelos sedosos de Angie.

— Também não está aí? — perguntou ela.

— Não.

— Talvez porque eu não esteja me sentindo muito angelical no momento. — Ela sorriu. — Depois desta noite, não sei nem se continuarei merecendo usar uma.

— Angie... — Reed disse o nome dela em um sussurro. — O que está acontecendo?

O modo como ela o olhou, deixou-o afetado de uma maneira que ele não soube explicar. Somente então ele entendeu o que certas pessoas às vezes queriam dizer ao se referir aos olhos como os "espelhos da alma".

— Angie, não me olhe desse jeito, por favor. Está me torturando.

Puxou-a para si com delicadeza, não encontrando resistência quando voltou a beijá-la. Estava mais do que pronto para amá-la completamente, mas não gostava da idéia de ter uma mulher em sua cama apenas para saciar um desejo físico.

Com Angie então, isso parecia até absurdo. Ela era diferente, e seu desejo por ela não seria satisfeito em apenas uma noite. Aprender os segredos que ela guardava e satisfazer todos eles levaria muito tempo. Um maravilhoso tempo...

Queria descobrir tudo a respeito de Angie. Seu perfume, o sabor de sua pele, quais os lugares onde ela gostava de receber carinho...

As perguntas eram muitas, e todas vitais. Conhecera uma mulher especial, que pensava ser um anjo, e não poderia dei­xá-la escapar.

Insinuando os polegares por baixo das alças do vestido dela, começou a descê-las devagar. Angie conteve o fôlego, mas não fez menção de detê-lo. Em vez disso, continuou fitando-o com um brilho de desejo no olhar. Reed só teve certeza de que não poderia mais parar.

Os seios fartos e eretos logo se revelaram em todo seu esplen­dor, deixando-o sem fôlego por um instante. Angie continuou imó­vel, revelando sua ansiedade apenas pela respiração acelerada.

Reed sentiu o medo e o desejo se manifestarem ao mesmo tempo naquele magnífico corpo. Também tomado pela urgência do desejo, tomou um dos mamilos túrgidos nos lábios, acariciando-o até fazê-la gemer de prazer.

Ao sentir uma mão hesitante tocar seu rosto, murmurou:

— Tudo bem. Não precisa ter medo.

Angie entrelaçou os dedos em seus cabelos, trazendo-o mais para junto de si.

— Eu te quero tanto, Reed — confessou. — Não importa se é certo ou errado. Nada parece impossível quando você me toca.

— Isso porque não é errado. E muito menos impossível.

— Eu gostaria muito que pudéssemos ter esta noite só para nós, sem nenhuma conseqüência.

— Pois eu transformarei seu sonho em verdade.

Reed beijou-a nos lábios e foi descendo devagar, pela curva sensível do pescoço de Angie, fazendo-a estremecer.

— Agora me diga como um anjo faz amor. Há algo que preciso saber de antemão?

— Anjos não fazem amor, Reed.

— Talvez eu consiga mudar essa regra.

Ele acariciou os seios dela com os polegares, levando-a a gemer mais uma vez. Angie era uma mulher desejável e louca para se entregar ao amor. Então por que continuava a resistir?

— Deixe a auréola de lado só dessa vez, querida — disse ele. — O paraíso não vai se importar se você tirar uma noite de folga.

— Reed, você não está entendendo. Não posso fazer isso. É errado.

— Não é errado, Angie. Não pode ser.

— Não sou a pessoa certa para você.

— Não? Por acaso não passou por sua mente que o paraíso pode tê-la enviado justamente para mim?

Os olhos de Angie se encheram de lágrimas. Com relutância, ela se afastou dos braços dele e ajeitou o vestido, para desa­pontamento de Reed.

— Não fui enviada para ser sua amante, e nem mesmo para trabalhar como sua secretária. Mas já que estou por perto, fico feliz em poder ajudá-lo a resolver os problemas do escritório.

— Apenas por curiosidade... Como se classifica um anjo?

Um brilho de divertimento se uniu ao das lágrimas de Angie, deixando-a com uma aparência ainda, mais angelical.

Reed balançou a cabeça. Um anjo... Era só o que lhe faltava. Tinha uma tia-avó que dizia conversar com espíritos e tivera uma secretária, a número sete, se não estava enganado, que vivia dizendo ser a reencarnação de Cleópatra e que morria de medo de cobras. Porém, essa era a primeira vez que ele se deparava com um anjo.

— Estou em uma missão. Eu lhe disse isso desde o início. Lembra-se?

— Uma missão? — Ele estreitou o olhar, com ar de suspeita. — Que tipo de missão?

— Eu também já falei sobre isso, Reed. Estou aqui para encontrar uma esposa para você.

Com outro sorriso angelical, e ainda um brilho de lágrimas nos olhos, Angie passou por ele e atravessou o quarto descalça, deixando os sapatos de salto alto para trás. De fato, ela tinha a graciosidade de um anjo. Um anjo de vermelho.

Ela entrou no banheiro e fechou a porta, deixando-o sozinho e pensativo. Ótimo. Estava com um anjo em seu banheiro. O mais sexy, desejável e gracioso que poderia existir.

Mas por que ela estava ali? Para promover paz, harmonia e felicidade? Para levá-lo para a cam e amá-lo até a exaustão? Não. Ela aparecera para lhe oferecer o que ele menos desejava no momento: uma esposa.

Balançou a cabeça, pensando na ironia da situação. Sua sorte era mesmo muito esquisita.

Na manhã seguinte, Angie achou o caminho até o escritório mais longo do que nunca. A parte do envolvimento pessoal sempre acabava acontecendo de alguma maneira em suas mis­sões. Ela parecia atrair as pessoas. Era como se, inconscien­temente, as elas "sentissem" quem ou que ela era, e ficassem atraídas por sua presença.

Essa missão não estava sendo diferente das outras. Não conseguia passar por nenhum dos outros empregados da em­presa sem que lhe solicitassem alguma opinião sobre o lado pessoal de suas vidas.

Vermelho havia se tornado a "cor da moda" na Construtora Harding, segundo ela percebeu assim que entrou no escritório. Também não pôde deixar de notar as duas novas "loiras" que haviam aparecido nos últimos dias. Mas Annie e Betsy haviam ficado lindas, com aquele tom de loiro platinado nos cabelos, isso ninguém podia negar.

Joel a alcançou antes que ela chegasse à sua mesa. — Adivinhe o que aconteceu? — perguntou ele, com anima­ção. — Recebi a liberação!

Angie pestanejou, confusa. —Desculpe-me, Joel, mas sobre o que está falando?

Não acredito que tenha se esquecido! — protestou ele. — Acorde, Angie! Enfrentou Reed por causa disso e não se lembra?

— Oh, está falando sobre a maquete?

— Claro que sim! Aquela que estou montando para o projeto de Wellsby. Você não vai acreditar na quantidade de materiais e de sucata que consegui!

Angie não gostou muito de ouvir aquilo. — Sucata?

— Você nem imagina quanta! Agora terei de comprar al­gumas ferramentas e...

— Joel? — ela o interrompeu. — Apenas por curiosidade... Onde você colocou toda essa... sucata?

— Bem, eu não sabia onde deixar tudo aquilo, então coloquei tudo no...

—Srta. Fazpaz!

Angie estremeceu. — Não me diga que colocou no escritório de Reed?

— Era o lugar onde havia mais espaço — respondeu Joel, em um tom defensivo.

— Tudo bem, não se preocupe. Darei um jeito nisso.

— Eu não estava mesmo preocupado.

Com um suspiro, Angie se encaminhou para o escritório de Reed. Ele estava de pé, diante da porta fechada, esperando por ela.

— Bom dia, Sr. Harding! — cumprimentou-o, com uma ani­mação que estava longe de sentir.

— O dia não está sendo nada bom, srta. Fazpaz. Quer que eu explique por quê?

Porque eles não haviam feito amor na noite anterior?, Angie se perguntou, mas tratou logo de afastar tal pensa­mento. Reed também manteve oculto os próprios sentimentos com relação àquilo.

— Por acaso isso tem algo a ver com o projeto de Joel?

— Brilhante dedução!

— Reconheço que ele não deveria ter guardado o material no seu escritório. Darei um jeito nisso bem rápido.

Por um momento, ela teve a impressão de ver um brilho de divertimento nos olhos dele. Então Reed ficou de lado, para que ela pudesse entrar no escritório.

— Fique à vontade.

Angie adiantou-se para abrir a porta, mas o máximo que conseguiu foi empurrá-la alguns centímetros.

— Espere... Espere um momento.   .

— Tente de novo. Minha reunião só começará daqui a qua­renta e cinco minutos. Isso lhe dará um tempo mais do que suficiente para tirar toda essa bagunça daí.

Angie empurrou a porta o suficiente para olhar pela fresta e... ficou boquiaberta.

Havia caixas de materiais empilhadas até o teto! Fios elétricos, madeiras de todos os tipos e tamanhos, canos... De sú­bito, um rosto canino apareceu em algum lugar próximo do sofá. Manchado soltou um ganido de protesto.

— Droga! — resmungou Angie, censurando-se logo em se­guida pelo uso da palavra depreciativa.

Reed também espiou pela abertura. Depois de muitas con­torções, ambos conseguiram entrar na sala.

— E então, srta. Fazpaz? Qual é sua desculpa... angelical?

Antes que ela pudesse responder, Joel apareceu à porta.

— Não é incrível? — perguntou, com um sorriso animado.

— Depende do que isso significar — respondeu Reed. — Para que diabos servirão tudo isso?

— São materiais para a maquete do projeto de Wellsby.

Angie balançou a cabeça. — Não pode ser, Joel. Uma maquete é pequena o suficiente para ser colocada sobre uma mesa. O material cabe em uma caixa. Uma caixa pequena.

— Só que a minha maquete será um pouco maior do que as convencionais — anunciou Joel, com orgulho. — Vou cons­truí-la de uma maneira em que tudo funcione, como seria na realidade. Pensei em colocá-lo no saguão do prédio.

—Terei uma reunião dentro de quarenta minutos — repetiu Reed, olhando para o relógio. — Acho melhor tirar essas coisas da minha sala, srta. Fazpaz.

Angie franziu o cenho. — E onde colocarei tudo isso?

— A idéia brilhante foi sua. Agora resolva o problema.

Ela não soube o que dizer. Reed enrijeceu o maxilar e saiu do aposento.

— Comece por tudo que está obstruindo a porta — disse ele, já do lado de fora. — E acho melhor começar logo. Tem apenas trinta e oito minutos.

Joel interveio:

— Ela não conseguirá remover tudo isso a tempo. Será pre­ciso pelo menos quatro ou cinco horas.

Angie revirou os olhos. — Eu... Ele...

— O que foi, srta. Fazpaz? Fale de uma vez.

— Pare de pressioná-la, Reed — replicou Joel. — Pode muito bem fazer sua reunião na sala de conferência, e sabe disso. Se quiser que tudo isso seja removido daqui, diga-me onde colocar essas coisas e eu ajudarei Angie.

— Deixe tudo no apartamento, por enquanto — disse Reed. — Depois mandarei Tigre discutir os métodos de montagem de maquete com você.

Joel fez uma careta de desgosto. — Pensei que entusiasmo fosse um fator positivo no trabalho.

— Claro que é — confirmou Reed. — O único problema é que você foi muito além do entusiasmo. Agora, vá até a recepção e peça a alguns empregados para ajudá-lo.

Um brilho esperançoso surgiu nos olhos de Joel. — E após o trabalho vai me ajudar com a montagem?

— Somente depois que o desenho em escala estiver pronto. Agora vá até a recepção. — Quando Joel desapareceu, Reed se voltou para Angie. — Vermelho de novo?

— O que disse?

— Está usando vermelho de novo? É uma escolha interes­sante para um anjo.

Ela afastou algumas caixas e sentou-se em uma cadeira.

— Por alguma razão, não se usa muito esta cor no paraíso. Por isso, costumo usá-la sempre que tenho chance. — Tirou os óculos da bolsa. — Há algo que você quer que eu faça antes da reunião?

— Acho melhor conversarmos sobre a noite passada.

Angie lançou um olhar rápido para Manchado.

— Vamos deixar isso de lado, sim? É melhor falarmos sobre o que faremos quanto a tudo isso que Joel deixou aqui. Já digitei e imprimi todas as cartas que você ditou ontem. Mas preciso de sua assinatura antes de...

— E porque sou seu patrão? — Reed a interrompeu. — Por isso não quer dormir comigo?

Angie conteve o fôlego, lançando um olhar aflito na direção do dálmata. Pela primeira vez, desde o início da missão, Manchado estava prestando atenção. Sentiu o rosto esquentar. Mas que ótimo. Não enrubescia desde os quatorze anos, quando fora fla­grada beijando Hugh Dailey, atrás do laboratório de química.

Ajustando os óculos, olhou para a lista em seu bloco de anotações.

— Confirmei sua palestra em Chicago. Disse que sua antiga secretária havia feito as reservas no hotel, mas se quiser que eu as confirme, poderei fazê-lo.

— Será que terei de lembrá-la da regra número um?

Angie forçou um sorriso. — Suas regras criam um bocado de problemas. Principal­mente a número um.

— Não se preocupe. Depois de seu período de experiência, não terá nenhum problema. Talvez seu próximo patrão não seja tão exigente quanto eu.

Angie levantou a vista, observando-o em silêncio por um instante.

— Reed, eu não me afastei de você por ser meu patrão. Apenas percebi que se dissesse "não" com determinação você manteria nosso relacionamento a um nível estritamente pessoal.

— Só que você não disse nada com determinação — ele sa­lientou.

Angie se viu forçada a concordar. — Tem razão — admitiu. — Reconheço que me sinto atraída por você, mas não é para isso que estou aqui. Minha missão é lhe conseguir uma esposa.

— Seu serviço é cumprir seus deveres de secretária, e não me forçar a casar.

— Mas a lista dizia...

— Para o inferno com essa lista! Pareço do tipo que pediria à minha secretária para me arranjar uma esposa?

— Não. Mas você parece... frustrado.

— Quanta perspicácia — ironizou Reed. — Tem razão. Sou muito frustrado, e quer saber por quê?

Angie suspirou. — Tenho a estranha sensação de que isso tem algo a ver comigo.

— Acertou de novo — disse ele. — Isso tem tudo a ver com você. Não importa o que a lista mostrava. Quero que fique fora da minha vida pessoal, a menos que tenha a intenção de terminar o que começamos ontem à noite.

Angie tirou os óculos e voltou a encará-lo, ficando de pé.

— O que você parece não entender é que não tenho escolha. Não posso ir até o fim e tenho de encontrar uma esposa para você. Essa é minha missão.

Reed fechou os olhos por um momento e respirou fundo.

— Claro que você tem escolha, Angie. E ela é bem simples. Ou pára com essa história de ser cupido ou procura outro emprego.

— Por favor, não faça isso.

— Qual será sua escolha? — Reed arqueou uma sobrancelha. — Disse que nunca mente. Então promete esquecer essa tolice e concentrar-se no seu dever de secretária?

— Por favor, Reed. Posso prometer muitas outras coisas, mas não isso. Fui enviada...

— Chega, Angie. É uma história interessante e engraçada. Quase tão engraçada quanto a do dálmata surdo que come em restaurantes finos. Mas, infelizmente, tenho um negócio sério para administrar e não posso fazer isso com meu irmão en­chendo meu escritório de sucata, e tendo minha secretária mais preocupada com a minha vida amorosa do que com os meus compromissos de negócios.

— Posso lidar com tudo isso ao mesmo tempo.

— Talvez até consiga essa proeza, mas eu não. — Ele massageou a nuca. — Escolha logo, srta. Fazpaz. O emprego, com a condição de nunca mais mencionar essa história de anjo e de casamento, ou sua carta de demissão.

Angie umedeceu os lábios. — Você não entende. Essa é minha última chance.

— Mas não precisa sair do emprego. Basta prometer...

— Não posso! Eu estaria mentindo.

Reed enrijeceu o maxilar. — Nesse caso, não tenho alternativa. Foi... interessante tra­balhar com você.

— Reed, por favor, reconsidere.

— Sinto muito, mas está despedida, srta. Fazpaz. Pedirei ao setor de recursos humanos para lhe pagar o que tem direito por esses dias de trabalho.

— Não se preocupe com isso. — Angie forçou um sorriso. — Anjos não precisam de dinheiro.

Dizendo isso, ela guardou os óculos na bolsa e saiu da sala. Após lançar um olhar de desaprovação para Reed, Manchado a seguiu em silêncio.

 

— Angie Fazpaz, dirija-se ao supervisor Gentil, por favor.

Ela começou a ouvir os burburinhos assim que começou a andar pelo corredor. Levantando um pouco mais a cabeça, se­guiu em frente. Certas coisas nunca mudavam.

Mesmo sabendo que não deveria, não conseguiu deixar de ficar surpresa. Por mais que houvesse falhado em suas missões, nunca deixava de lado a esperança que sempre provocava um brilho especial em seus olhos. A esperança de um futuro melhor.

Se perdesse aquilo, perderia também sua razão de existir. Seus lábios se tornaram trêmulos. Infelizmente, seu futuro não estava parecendo dos mais promissores. Estava ficando cada vez mais difícil levar seu trabalho adiante.

Assim que entrou na sala de seu supervisor, notou que Gentil não se encontrava sozinho dessa vez. Manchado estava sentado ao lado dele, mantendo um brilho indefinível no olhar. Sem dúvida, já devia ter contado sua versão dos eventos para o supervisor.

— Olá, Gentil — cumprimentou-o com um sorriso. — Sentiu minha falta?

— Na verdade, a situação por aqui tem estado bem calma sem sua presença.

— Verei o que posso fazer quanto a isso.

— Isto se conseguir permanecer, é claro — salientou o su­pervisor. — O que é altamente questionável a essa altura dos acontecimentos. Sente-se, Angie.

Ela não gostou nem um pouco de ouvir aquilo. Mesmo assim, sentou-se e manteve um sorriso radiante.

— Pelo visto, o número treze nem sempre traz tanta sorte assim. — Olhou para Manchado, com um ar impaciente. — Já deve estar sabendo das novidades.

— Sim, já recebi o relatório de Manchado — confirmou o supervisor. — Importa-se de me contar sua versão da história?

Tentando disfarçar a apreensão, Angie ajeitou a auréola sobre a cabeça, antes de responder:

— Não tenho certeza do que mais posso acrescentar.

Diante da resposta evasiva, uma leve mancha apareceu na saia de seu vestido imaculadamente branco, fazendo-a enrubescer.

— O Sr. Harding não quer que eu encontre uma esposa para ele. Quando o assunto veio à tona, ele me despediu.

— Acredito que deve estar deixando de mencionar alguns detalhes de natureza mais... pessoal.

Angie corou pela segunda vez. — Então é isso...

— Sim. Você beijou Reed Harding e ficou tentada a fazer amor com ele.

— Mas eu resisti!

— É verdade. E somente esse detalhe é que manteve o pouco de crédito que lhe resta para permanecer aqui.

Angie umedeceu os lábios. —     Então não serei expulsa?

Deus, aquela voz débil e tremula seria mesmo a sua? Devia ser, pois provocou um ar de compaixão no rosto de Gentil.

— Não, minha querida. Afinal, ainda não terminou sua missão.

— Mas eu pensei...

— Terá de voltar e convencer o Sr. Harding de que ele precisa de seus serviços de secretária novamente. Então terá a última chance de completar sua missão.

— Acho que você não entendeu...

Pela primeira vez, desde que Angie o conhecera, a sabedoria de muitos anos pareceu pesar sobre os ombros de Gentil.

— Entendi mais do que você imagina — disse ele.

— Ele me despediu — lembrou Angie. Gentil deu de ombros.

— Terá de convencê-lo a readmiti-la.

— Mas ele me proibiu de tocar no assunto "esposa".

— Então não fale sobre isso. Simplesmente encontre uma para ele.

— Assim? — Angie estalou os dedos. — E você tem alguma sugestão para me dar?

— Sim, claro.

— Fico muito aliviada.

— Sugiro que ouça seu coração e sua consciência e que pare de beijar o Sr. Harding.

— Ótimo conselho, Gentil.

— Achei que gostaria. — Um brilho de ironia surgiu nos olhos dele. — Também mandarei um presente para ajudá-la nessa última tentativa.

Angie suspirou, com resignação. — E o que é?

— Poderá conceder ao Sr. Harding aquilo que ele mais deseja. Mas somente um desejo, está ouvindo? Algo que ele queira mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Angie arregalou os olhos. — Espere um pouco... Está querendo dizer que se eu levá-lo a desejar ter uma esposa, minha missão estará cumprida?

— Se for um desejo sincero da parte dele, sim. Sua missão estará terminada.

— E eu poderei ficar no paraíso?

— Sim, minha querida.

Angie respirou fundo, sentindo-se mais animada. — Então, acho melhor eu voltar logo.

— Apenas mais um detalhe, srta. Fazpaz.

Claro. Sempre havia mais algum "detalhe", pensou ela, com um suspiro.

— Sim?

Os lábios de Gentil se curvaram em um sorriso. —Não se esqueça de levar Manchado.

 

Reed encarou Tigre. — O que está querendo dizer com "o projeto mudou novamente"?

— Veja com seus próprios olhos — respondeu o contramestre, abrindo uma planta diante do patrão. — Mudaram a maldita ala leste pela terceira vez esta semana. Como poderemos construir o prédio se eles insistem em ficar mudando o projeto todo dia?

Reed observou as modificações na planta. — E isso que ganho por usar os desenhos de outra pessoa. Se fosse uma construção menor...

— Ainda assim os donos ficariam mudando a estrutura a todo o momento — deduziu Tigre, utilizando sua experiência profissional.

— Talvez. Mas pelo menos eu teria um pouco mais de estabilidade.

Joel olhou por cima do ombro do irmão. —  Hei, não reclame. Pelo menos os suportes ficaram certos dessa vez.

Tigre sorriu para Reed.

— Nada mal — disse. — O garoto tem um olhar apurado para detalhes.

— Cuidado!

Ao ouvir o grito ecoar pela área em construção, Reed virou-se e logo descobriu o motivo do aviso. A distância, avistou algo vermelho se movendo entre as pilhas de materiais para cons­trução. Logo atrás, um caminhão basculante cheio de entulho estava dando marcha ré bem naquela direção.

Só havia uma pessoa que gostava de usar aquele tom chamativo de vermelho e que andava acompanhada por um dál­mata. Angie voltara e não havia uma maneira de ele conseguir avisá-la a tempo sobre o perigo que ela estava correndo.

— Angie! — gritou. — Cuidado!

Ela parou por um instante, com a brisa agitando os cabelos loiros e formando uma espécie de auréola dourada em torno de sua cabeça. Ao vê-lo, ela acenou e sorriu. De súbito, Man­chado se levantou atrás dela e apoiou as patas em seus ombros, obrigando-a a dar um passo à frente. Angie protestou, sem ter a mínima noção do perigo que corria, bem no instante em que o caminhão passou a cerca de meio metro do lugar em que ela e o cão estavam.

Ao perceber o que havia acontecido, o motorista desligou o motor e apoiou a cabeça no volante, consternado. Angie, por outro lado, continuou ignorando os perigos à sua volta.

Tigre gemeu, em protesto.

— Oh, droga, ela voltou a se mover.

—A escavadeira! A escavadeira! — Joel gritou, mas ela não o ouviu. — Oh, Deus, ela vai ser atingida.

Tigre levou as mãos à cabeça. —        Ela é maluca.

Reed nem conseguiu dizer nada, tamanha a aflição em seu peito. Ele continuava muito longe para ter tempo de salvá-la.

— Angie! — gritou mais uma vez. — Olhe atrás de você!

O parte côncava da escavadeira começou a se mover para baixo, bem na direção dela. Dessa vez, Manchado farejou in­sistentemente os sapatos de Angie, fazendo-a se inclinar bem no momento em que a enorme máquina passou pouco acima da cabeça dela.

Tigre se inclinou, como se ele próprio também estivesse cor­rendo perigo. Ao notar o que estava acontecendo, o motorista da escavadeira fez uma manobra esquisita para não acertar Angie na volta.

— Não quero nem ver — falou Joel, cobrindo os olhos.

Reed continuou emudecido. —   Ela está bem — disse, depois de alguns segundos. — O eixo da escavadeira já se afastou dela.

A essa altura, o manobrista estava pálido, sem saber se desligava o motor ou se continuava seu trabalho.

Sem perder tempo, Reed correu até ela, antes que algum de seus empregados acabasse tendo um ataque cardíaco.

Angie saudou-o com um belo e inocente sorriso. — Bom dia!

Ele nem se preocupou em responder. Precisava tirá-la logo dali. Em silêncio, segurou-a pelo cotovelo e começou a condu­zi-la em direção a um trailer, estacionado em um local seguro. Manchado acompanhou-os de perto, soltando um longo suspiro de alívio.

— O que está fazendo? — perguntou ela, confusa.

— Não fale. Não quero ouvir nem uma palavra.

— Por quê? O que eu fiz?

A mera visão daquele corpo magnífico moldado pelo tecido justo do vestido vermelho foi suficiente para despertar o desejo de Reed. Aquilo já estava fugindo de seu controle e ele precisava dar um jeito na situação, antes que acabasse ficando maluco.

— Se valoriza sua vida, não vai dizer nem uma palavra até entrarmos naquele trailer. Senão farei um escândalo que você e esses homens nunca mais esquecerão.

Para seu espanto, Angie começou a rir.

— Confesso que estou tentada a desobedece-lo, mas vou resistir.

Vários assobios e piadinhas chegaram aos ouvidos de Reed no momento em que chegaram ao trailer. Sem se importar, levou Angie para dentro e fechou a porta com firmeza, enquanto Manchado permaneceu do lado de fora, montando guarda.

Reed teve de se conter para não beijá-la até lhe tirar o fôlego. O brilho inocente daqueles lindos olhos azuis e o tom rosado daqueles lábios cheios não colaborou nem um pouco com seu esforço.

— O que diabos veio fazer aqui? — perguntou.

— Vim procurá-lo para pedir meu emprego de volta.

Reed não acreditou no que ouviu. — Só pode estar brincando. Depois da confusão que acabou de causar, tem sorte por eu não haver chamado a polícia para prendê-la.

Angie franziu o cenho. — Que confusão?

— Tem idéia de que quase morreu há poucos minutos?

Ela riu. —  Não diga tolices, Reed. Não posso morrer porque já...

— Não fale! — Ele levantou a mão, pedindo silêncio. — Não me venha com essa história maluca de novo. Se Manchado não houvesse chamado sua atenção a tempo...

Angie deu de ombros. —    Você e seus empregados teriam tido a prova de que sou mesmo um anjo.

— Bem, se aquele caminhão a houvesse acertado, você realmente viraria um anjo. E instantaneamente.

— Não foi o que eu quis dizer.

— Estou falando sério, Angie. O que você fez foi muito pe­rigoso. E, como se não bastasse, deixou uma trilha de estragos atrás de si.

— Estragos? — Ela abriu a porta do trailer antes que Reed pudesse detê-la. — Que estragos? — Protegendo os olhos com a mão, examinou o local.

Reed se posicionou ao lado dela. —   Observe a trajetória que você fez e entenderá o que estou querendo dizer.

Angie franziu o cenho. — Por que o motorista do caminhão está curvado, com a mão no estômago?

— Provavelmente teve uma crise estomacal, depois do ner­voso que passou há poucos minutos, quando quase a atropelou.

Então ela voltou a atenção para algo mais adiante. — E o operador da escavadeira? Está dormindo?

— Não. Meus empregados nunca dormem em serviço — respondeu Reed. — Ele deve estar inconsciente. Ou então teve um ataque cardíaco, depois que quase a decapitou.

Angie arregalou os olhos e virou-se para ele.

— Ele quase... — Angie engoliu em seco. — Ainda bem que não preciso morrer de novo, porque isso teria sido um bocado dolorido. — Antes que Reed pudesse protestar, ela continuou: — Bem, se a culpa foi minha, tenho certeza de que Gentil os ajudará na recuperação... Hei, por que todos estão olhando para nós?

— Não são todos que estão olhando, Angie. Apenas aqueles que ainda estão de pé — ironizou Reed.

— Oh, aí vem Tigre e Joel — disse ela, sem dar importância ao comentário.

— Quer que eu a mate agora? — Tigre perguntou ao patrão, dobrando as mangas da camisa, como que se preparando para uma briga.

— Ele está brincando, não está? — perguntou Angie, alarmada.

— Não — respondeu Reed. — Acho que Tigre está fa­lando sério.

— Muito sério — confirmou o contramestre. — Quer que eu acabe com ela? Levará apenas um segundo.

Reed coçou o queixo, pensativo. — Acho que não... — respondeu, com relutância. — Em vez disso, por que não chama o chefe da segurança? O mesmo que não deve deixar ninguém que não tenha permissão entrar aqui. Preciso ter uma conversinha com ele.

— Pode deixar.

Lançando um sorriso forçado para Angie, Tigre se retirou.

— Acho que eu não deveria ter vindo até aqui — disse Angie.

— Não acredito que ainda esteja viva — falou Joel.

— Sinto muito, se causei algum transtorno. Mas é que real­mente eu não estava correndo perigo.

— Por que pensa que é um anjo? — ironizou Reed.

— Porque é a verdade. — Ela olhou para Manchado e sorriu. — E porque também tenho um anjo da guarda comigo.

— Entre novamente no trailer — mandou Reed. — Antes que eu acabe fazendo algo de que me arrependa depois.

— Posso ficar com Manchado? — pediu Joel. — Senti falta dele nesses últimos dias.

—Está bem — respondeu-lhe o irmão. — Agora entre, Angie.

Ela obedeceu, sem protestar. — Sinto muito. Não percebi que estava causando tantos danos. Ninguém tentou me parar e...

— Por que está aqui?

— Eu já lhe disse. Vim para pedir meu emprego de volta.

Reed cruzou os braços. — Já faz uma semana que a despedi. Como sabe se não contratei alguém para substituí-la?

— Você contratou?

— Sim. — Ele esperou um momento, antes de acrescentar: — Na verdade, contratei seis secretárias na última semana.

Os lábios de Angie se curvaram em um sorriso. — Seis?

— Em um mesmo dia, cheguei a contratar três.

O sorriso dela se ampliou. — Acho que deve ser seu mais novo recorde.

— Foi o que me disseram no escritório. O gerente da agência de empregos se recusou a mandar outra pessoa.

— Então está mesmo na hora de eu voltar. Não acha?

— Depende.

— De quê?

— De você estar disposta a concordar com minhas regras.

— Tudo bem. Então me diga quais são elas.

Reed sorriu. — Já se esqueceu?

— Vejamos... — Um brilho de divertimento surgiu nos olhos de Angie. — Se não estou enganada, a primeira diz que você é o chefe.

Ele assentiu. — Isso mesmo. O que eu digo é lei. Nada de discussão ou de argumentação. A palavra final é sempre minha.

Angie respirou aliviada. Voltara a pisar em terreno conhecido. — E a regra número dois?

— Nada de relacionamentos íntimos dentro da empresa. Lembra-se?

Essa regra era excelente, pensou Angie. Se houvesse se lem­brado dela alguns dias antes, talvez não tivesse acabado em meio àquela encrenca.

— Ela também serve para o chefe, não?

— Principalmente para ele — confirmou Reed.

— A regra número três... Nada de cães, certo?

— Vou mudar essa — avisou Reed.

— É mesmo? Manchado poderá entrar livremente no escritório?

Reed assentiu. — Já que ele está no escritório desde que você entrou, mesmo sem meu consentimento, não vejo por que tentar manter essa regra.

— E qual será a nova?

Angie teve a sensação de que não iria gostar da resposta. — Será proibido falar sobre anjos ou esposas.

— Sem problema. Já sei que não devo mais falar sobre isso.

— Ah, é? Então desistiu dessa história de encontrar uma esposa para mim?

— Significa que não vou mais falar sobre o assunto — sa­lientou Angie. — É um compromisso suficiente para aceitar me readmitir?

— Talvez. E quanto a essa história de anjo?

Angie mordeu o lábio, pensativa. —     Posso deixar de falar sobre isso também — respondeu.

— Mas primeiro preciso lhe dizer algo.

Reed cruzou os braços. — Pode falar.

— Falei com meu supervisor e ele me deu uma última chance para completar a missão.

— E qual é sua missão dessa vez?

— Ela ainda está ligada a você.

Ele arqueou uma sobrancelha. — Trabalho difícil o seu, não?

— Muito — admitiu Angie. — Mas Gentil me deu um pre­sente especial para oferecer a você.

— Mas que homem generoso.

— Ele é, sim. E amável também.

Reed encostou o ombro na parede do trailer. Os olhos cas­tanhos a fitaram com um brilho de perspicácia.

— A personalidade combina com o nome dele, não?

— Totalmente.

— Agradeça a ele por mim, mas diga que não preciso de nenhum presente. Angie, por que estamos falando sobre isso? Essa conversa não está fazendo muito sentido para mim.

— Disse que não posso mais falar sobre anjos. Então terei de lhe contar tudo agora, para não aborrecê-lo com esse assunto depois. Mas como poderei fazer isso se não me deixar falar sobre o presente?

Reed deu de ombros. — Quer ou não o emprego de volta?

— Você sabe que quero.

— Então vai concordar com minhas regras? — Ele se apro­ximou dela.

— Tenho escolha?

— Não.

Talvez ela tivesse chance de falar sobre o presente depois. Não seria aconselhável insistir no assunto naquele momento. Abordaria o assunto quando ele não tivesse outra opção a não ser ouvi-la.

— Então concordo — respondeu.

— Nesse caso, bem-vinda ao trabalho, srta. Fazpaz.

— Obrigada, Sr. Harding. — Sorriu para ele, tentando ame­nizar a tensão. — É um prazer estar de volta.

Para surpresa de Angie, ele levou a mão à sua nuca e puxou-a delicadamente para si.

— O prazer é todo meu, pode acreditar.

Dizendo isso, beijou-a com intensidade. Angie sabia que de­veria protestar e se afastar, mas não conseguiu. Em vez disso, enlaçou os braços em torno do pescoço dele e retribuiu o beijo com paixão. Gentil que a perdoasse, mas ela sentira muita falta de Reed.

Por mais que soubesse que sua atitude não estava sendo a de um anjo responsável, também sabia que sem Reed sua vida parecia vazia e incompleta. Precisava dele mais do que ima­ginara ser possível.

Quando o beijo finalmente terminou, ela demorou algum tempo para abrir os olhos e fitar aquele rosto bonito. Umedeceu os lábios, notando que seu gesto o deixara tenso. Com o polegar, ele seguiu a mesma trilha que a língua dela havia percorrido.

— Não faça isso ou juro que vou amá-la aqui mesmo.

Angie não queria acabar com a magia do momento, mas lembrou-se de que tinha uma missão a cumprir, quer gostasse dela ou não.

— Estamos violando a regra número dois — disse a ele.

— Esse é o detalhe interessante da regra número um. Ela permite que eu quebre qualquer uma das outras regras. — Ainda assim, o aviso de Angie pareceu trazê-lo de volta à rea­lidade. — Agora se afaste de mim, antes que eu decida quebrar a segunda regra de uma maneira irreparável.

Angie olhou para a porta do trailer, convencida de que ele fizera a melhor sugestão dos últimos tempos.

— Acha que devo voltar pelo mesmo caminho por onde vim?

— Não! — Reed respirou fundo. — Não. Espere aqui que eu cuidarei disso.

Aproximando-se da porta, ele apertou um botão, ao lado de um pequeno microfone.

— Aqui é Harding. Tigre, venha até o trailer e traga um capacete de proteção. Peça ao pessoal para desligar as máqui­nas e se afastar dos equipamentos. Sairei com Angie dentro de cinco minutos e não quero que ninguém se mova até que ela esteja bem longe daqui.

— Isso é mesmo necessário? — perguntou Angie, franzindo o cenho, assim que ele desligou.

— Pode acreditar que sim. Não quero que volte a visitar nenhuma das minhas obras sem que eu esteja junto com você. Entendido?

— Sim. Detesto causar transtornos.

Reed arqueou as sobrancelhas. — Quer dizer que os problemas a acompanham naturalmente?

Angie não conteve o riso. — Pode-se dizer que sim.

— Está pronta para sair?

— A saída será segura ou corro o risco de ser linchada?

— Não se preocupe, eu a levarei em segurança.

Reed tocou a maçaneta, mas virou-se de repente. Antes que Angie pudesse entender por que ele fizera aquilo, recebeu outro beijo. Dessa vez o contato foi leve, gentil, irresistível. Reed mostrou com carícias tudo que não havia sido dito com palavras.

— Bem-vinda ao emprego, srta. Fazpaz.

— É bom estar de volta — sussurrou ela, em resposta. "Bom demais", completou em pensamento.

 

Os dias seguintes foram bastante agitados para Angie. A cada manhã, convencia-se de que deveria ignorar a atração que sentia por Reed, mas isso estava se tornando mais difícil do que ela imaginara que seria.

Não queria mais encontrar uma mulher perfeita para ele. Ela própria desejava ser essa mulher. Porém, a impossibilidade de realizar seu desejo a estava consumindo por dentro.

— Não posso continuar com isso — disse a Manchado, en­quanto embalava o neto de Casey Radcliff no colo. — Tenho de encontrar uma esposa para ele, e logo.

Manchado latiu, enquanto o bebê de oito meses murmurava algo incompreensível.

— Eu sei, eu sei. A escolha terá de ser verdadeira por parte dele. — Ela acariciou os cabelos loiros de Kip. — Mas como isso poderá acontecer se Reed nem mesmo quer tocar no assunto?

— Falando sozinha, srta. Fazpaz?

Ela lançou um olhar de censura para Manchado. — Deveria ter me avisado — resmungou por entre os dentes, antes de ensaiar um sorriso e dizer: — Precisa de algo, Sr. Harding?

— Sim. Se quer mesmo saber a verdade, preciso de você — insinuou ele, com um brilho diferente no olhar. — No meu escritório, claro. E Manchado a avisou. Ele sempre late quando apareço em sua sala.

— Ele ainda sente uma atração especial pelo seu sofá — falou ela. — Não deveria ter mandado cobri-lo com plástico. Manchado detesta plástico.

— Estou com o coração partido. — Reed franziu o cenho, ao ver Kip no colo dela. — É um bebê?

Angie não conteve o riso. — É muito observador.

— De onde ele veio? — indagou Reed, ignorando a ironia.

— Ele é neto de Casey.

Reed apertou os lábios. — E por que está com você?

— Casey o deixou comigo para ir almoçar. E antes que fique bravo com ela, fui eu quem se ofereceu para fazê-lo. —        Levantando o bebê até o ombro, sorriu. — Ele é uma gracinha, não?

Reed enrijeceu o maxilar. — Srta. Fazpaz, venha até meu escritório, por favor.

— Com o bebê?

— A menos que seu cão também sirva como babá...

— Para dizer a verdade, anjos da guarda são as melhores babás que podem existir — ela salientou. — Mas quero con­tinuar com Kip no colo.

Pegando os óculos e o bloco de anotações, ela seguiu para a sala ao lado, levando o bebê consigo. Reed fechou a porta atrás deles.

— Deixe-me tirar o plástico do sofá, para que possa se sentar — disse Angie.

Antes que ele pudesse se dar conta do que ela pretendia fazer, Angie entregou-lhe o bebê e começou a remover o plástico do sofá.

— Que tal? — perguntou enquanto colocava os óculos. Sentou-se em seguida, com o bloco de anotações a postos.

Reed manteve o bebê longe de seu corpo, como se ele estivesse usando dinamite, em vez de fraldas.

— Hum... Srta. Fazpaz? — Quando ela não o atendeu de imediato, chamou-a com mais urgência. — Angie?

— Importa-se de segurá-lo? Preciso tomar nota do que me ditar. Pode começar a falar.

— Não disse que queria continuar segurando-o no colo?

— Eu gostaria, mas não será possível. Se não quiser segu­rá-lo, posso deixá-lo com Manchado...

A sugestão causou o efeito que ela imaginara. Reed hesitou um instante, mas acabou sentando-se com Kip no sofá.

— Eu queria discutir como será esse fim de semana — disse ele. — E me certificar de que tudo já foi providenciado.

Angie inclinou um pouco a cabeça. — Não gosta de crianças?

— Sim, gosto — respondeu Reed. — E não mude de assunto.

— Então por que não quer segurar Kip no colo?

Ele não respondeu, mas uma série de emoções pareceu atin­gi-lo naquele momento. Notando que o assunto parecia delicado para ele, decidiu retornar ao que o interessava.

— Quer saber sobre o congresso de Chicago?

— Sim. A secretária que a antecedeu reservou dois quartos em um hotel da cidade, mas quero que confirme as reservas.

— Qual é o hotel?

Reed virou Kip de frente para ele. O bebê sorriu e balbuciou alguns sons incompreensíveis, levando Reed a curvar os lábios em um breve sorriso.

— É o Grand Majesty.

— Oh, esse hotel? Não imaginei... Reed olhou para ela.

— Não sei por que, mas gostei de ouvir isso.

Angie fez algumas anotações. — Não se preocupe. Tenho certeza que já devem ter esque­cido o pequeno incidente...

— Que pequeno incidente?

— O que aconteceu quando eu trabalhei lá.

Angie olhou-o, atenta, observando a reação de Reed. Infe­lizmente, ela não pareceu muito boa. Ele levou o bebê ao ombro e fitou-a em silêncio.

A visão tocou Angie de uma maneira inesperada. Ela não poderia experimentar a alegria de ser mãe. Nunca veria seu marido segurar um filho nos braços e sorrir, como Reed estava fazendo com Kip. Porém, a idéia nunca a incomodara. Até aquele momento.

— Você trabalhou no Grand Majesty? — perguntou ele.

Angie pestanejou, trazendo os pensamentos de volta à realidade.

— Por pouco tempo, para alívio de todos por lá. Mas meu substituto resolveu os problemas e a administração não deve estar mais enfurecida.

Angie lamentou o trabalho que Chuck tivera para consertar seu fiasco. Arriscou outro olhar na direção de Reed, que con­tinuava curioso a respeito do que acontecera.

— Eu poderia lhe contar mais detalhes — disse a ele — mas a regra número três me proíbe de fazer isso.

Reed revirou os olhos. — Pensei que houvéssemos colocado um ponto final nessa história.

— Concordei com isso. — Fingindo inocência, ela acrescen­tou: — A menos que queira trazê-la à tona novamente. Afinal, é o chefe e pode desfazer as regras quando quiser...

— Obrigado pela oferta, mas eu a dispenso — replicou ele.

— Vai deixar Manchado aqui?

— Bem, não sei quais são os planos dele para o fim de semana. Terei de conversar com ele primeiro.

Reed respirou fundo, esforçando-se para manter a paciência. — Eu gostaria muito que o convencesse a ficar por aqui. Talvez Joel possa cuidar dele.

— Vou sugerir isso.

— Obrigado.

— Que tipo de roupa terei de levar?

— Tailleurs, um ou dois vestidos para coquetel, roupas in­formais para um piquenique e um biquíni.

Angie empalideceu. — Um biquíni? — repetiu, em um fio de voz.

— Há um lago onde acontecerá o piquenique e...

— Não sei nadar. Isso é tudo? Preciso voltar para o trabalho.— Ela ficou de pé.

Reed também ficou. —        Por que um anjo teria medo de um lago de águas rasas? —         perguntou ele, com gentileza.—Pensei que não tivesse medo de nada.

— Ficaria surpreso se soubesse o que sinto. Nadar é um dos meus medos. — Angie olhou para o bebê. — Lamentar os caminhos que não segui é outro.

— Não saia ainda.

Sem dar atenção ao pedido, ela seguiu até a porta. Contudo, antes de sair voltou-se novamente para ele.

— Você não sabe quanto tem sorte. Tem idéia do eu daria para ter um futuro e ter chances de escolher, como você?

— Angie, por favor...

— Você tem uma chance, Reed. Uma chance de ter tudo: amor, casamento, filhos... Nunca saberei o que é ter tudo isso. E mesmo tendo tudo à mão você...

Ela não terminou a frase. Tomando Kip novamente nos bra­ços, escondeu o rosto na manta do bebê por um instante.

— Você não entende... — Reed tentou explicar, mesmo sa­bendo que não conseguiria.

Não podia falar sobre Emily nem sobre o tormento que o per­seguia nos últimos dois anos. Segurar Kip nos braços fora tão torturante para ele quanto estava sendo para ela. Ele também tinha um filho em algum lugar. Uma criança que deveria ser um pouco mais velha do que Kip, mas cujo rosto ele desconhecia.

— Tem razão — murmurou ela. — Não entendo. Nem nunca entenderei.

Sem dizer mais nada, Angie se retirou, deixando Reed con­fuso e pensativo ao mesmo tempo.

— Tem certeza de que não se lembrarão de você? — indagou Reed, quando os dois entraram no saguão do Hotel Grand Majesty.

Angie riu. — Sim, eles se lembrarão de mim.

Reed admitiu que a pergunta fora idiota. Quem conseguiria se esquecer de Angie depois de conhecê-la?

Quando eles se aproximaram da recepção, bastou um olhar para Angie e o atendente empalideceu.

— Srta. Fazpaz?

— Olá, Tick! Como vão os negócios por aqui?

— Bem melhor, obrigado. Veio se hospedar no hotel? — perguntou ele, com uma expressão apreensiva.

— Receio que sim. Mas não se preocupe. Prometo que ficarei bem longe dos encanamentos.

Um sorriso de alívio surgiu no rosto dele. — Os donos do hotel ficarão muito satisfeitos ao ouvir isso.

Aproximando-se mais do rapaz, ela sussurrou: — Chuck cuidou de tudo?

— Oh, o Sr. Cross fez um trabalho excepcional — respondeu o atendente, no mesmo tom de confidência.

— Ótimo. — Ela sorriu. — Ele é mesmo muito bom.

— Podemos assinar as reservas, por favor? — sugeriu Reed, decidindo acabar com aquela conversa sem sentido.

— Claro, senhor — respondeu Tick, abrindo o livro de ime­diato. — A reserva está no nome da srta. Fazpaz?

— Não. Meu sobrenome é Harding. A reserva foi para dois quartos.

O atendente conferiu os dados no computador.

— Oh, está aqui. Vocês ganharam uma suíte dupla, sem nenhum custo adicional.

— Ora, muito obrigada, Tick — Angie agradeceu. — Foi muita gentileza do pessoal do hotel.

— O Sr. Jenson ainda tem muita estima por você — confi­denciou Tick, em um sussurro. — Foi ele quem mandou que fizéssemos isso.

Angie também abaixou o tom de voz. —       Agradecerei pessoalmente a ele, pode deixar.

Reed tamborilou os dedos sobre o balcão, com impaciência.

— Quem é Sr. Jenson?

— Um dos donos — explicou ela. — Ele foi o escolhido para minha décima primeira missão. Um grande fracasso, mas não posso culpá-lo por isso.

— Claro que não. — Reed pegou o envelope com as chaves dos quartos. — Peça que nossa bagagem seja entregue o mais rápido possível, sim?

— Pode deixar, senhor — respondeu Tick.

Os dois entraram no elevador panorâmico logo em seguida.

— Qual foi sua missão com esse tal Sr. Jenson? — per­guntou Reed.

— Convencê-lo a deixar o neto administrar o hotel. Só que havia um problema: quanto mais eu tentava ajudar Ralph, mais ele se atrapalhava.

— Coitado do rapaz.

— Infelizmente, o único anjo disponível para o caso dele naquele momento era eu mesma. Meu trabalho não foi dos melhores.

— Ele não conseguiu o cargo?

— Digamos que Ralph tinha um pequeno problema com senso de autoridade.

— Ele não gostava de receber ordens? — indagou Reed.

Angie riu.   — Na verdade, ele não gostava de dá-las.

— E como você resolveu o problema?

Angie se tornou séria de repente. — Não consegui resolvê-lo. Chuck teve que vir me substituir e consertar meu fiasco, depois da inundação do hotel.

A essa altura, já estavam no corredor que ia dar nos quartos e Reed virou-se para olhá-la, espantado.

— E o que provocou a inundação?

Pensei que se surgisse uma situação de emergência Ralph seria forçado a dar ordens.

Reed abriu a porta do quarto reservado para ele próprio. —E...?

Angie suspirou. —Bem, ele entrou em pânico. Em vez de agir rápido, ele chamou os bombeiros. Mas quando eles chegaram, o estrago já havia sido feito. Por isso Gentil me tirou da missão e mandou Charles Virtuoso para me substituir.

Reed arqueou uma sobrancelha, incrédulo. —Virtuoso? — Quando Angie assentiu, ele acrescentou: — História divertida, srta. Fazpaz.

— Mas é verdade!

— Sim, você nunca mente.

— Nunca.

—Apenas... modifica um pouco a verdade?

Angie levantou o queixo. —Nada disso — respondeu. — Não é permitido.

Cansado de ouvir tanta maluquice, Reed observou o quarto. — Lugar bonito — disse. — Deve ser muito bom ter amigos influentes.

— Às vezes. — Angie sorriu. — Oh, veja! Deixaram uma cesta de frutas sobre a mesa de refeições. Aposto que foi idéia do Sr. Jenson.

— Muito gentil da parte dele.

Ao ler o cartão deixado sobre a cesta, Angie ficou boquiaberta.

— Acho que me enganei. A idéia foi de Ralph e... Meu Deus! Ele se casou com Ruthie Evans, a camareira! Isso deve ter sido alguma proeza de Chuck. — Olhou para o teto. — Por que não pensei nisso? Ela seria uma ótima esposa para Ralph. Afinal, nunca entrava em pânico em momentos difíceis...

— Lá vem a palavra novamente — protestou Reed. Angie voltou a olhá-lo, surpresa.

— Que palavra?

— Esposa.

Ela sorriu. — Acha que meu método de trazer o assunto à tona não foi muito sutil?

Ele arqueou uma sobrancelha. — Você acha que foi? — respondeu com outra pergunta. — Enquanto pensa na resposta, vou sair para meu primeiro com­promisso. Dessa vez, não precisa me acompanhar. Aproveite para descansar porque teremos um banquete essa noite. Pre­pare um de seus vestidos mais formais.

— Reed?

— Sim?

— Eu não ia repetir isso, mas talvez algum dia você acredite quando eu lhe contar algo. Eu nunca minto. Lembra?

Reed sorriu. — Tentarei me lembrar. Agora preciso ir.

— Estarei aqui quando você voltar — Angie prometeu. Um sorriso charmoso curvou os lábios de Reed.

— Sabe que eu poderia me acostumar a ouvir isso?

Alguns minutos depois que ele havia saído, Angie continuava de pé no meio do quarto, aturdida com a conclusão a que che­gara. Ela própria também poderia se acostumar a dizer aquilo.

— Angie?

Ela abriu os olhos devagar, despertando aos poucos. — O quê? Quem está aí?

— O prazo para sua missão está quase chegando ao fim.

— Gentil? É você?

Ela levantou a cabeça, surpresa ao descobrir que adormecera a mesa, enquanto digitava algumas anotações no notebook de Reed. Não lembrava de haver dormido, desde que se transfor­mara em anjo.

Uma leve brisa soprou pelo quarto e Gentil se materializou ao lado dela. Angie sentiu-se apreensiva. Seu supervisor nunca havia aparecido durante alguma de suas missões. Era ela quem sempre o visitava.

— Seu tempo está quase esgotado — repetiu ele.

— Mas... ainda não terminei.

— Não importa, minha querida. Já teve muitas chances de completar sua missão. Dotty Bondade virá substituí-la. Volte para casa agora.

Angie entrou em pânico. — Não, por favor! Precisa me dar um pouco mais de tempo. Reed precisa de mim.

— Não, ele precisa é de uma esposa, não de você. Reed necessita de amor, e era isso que você deveria oferecer a ele. Ou será que esqueceu o motivo pelo qual veio à terra?

— Não, não me esqueci. Cuidarei disso, pode deixar. Por favor...

— Muito bem. Então vou lhe dar mais três dias. Terá até a segunda-feira de manhã para completar sua missão e então voltará para casa. — A brisa voltou a soprar pelo quarto. — Lembre-se do presente, Angie. Dê o presente a ele. —Dizendo isso, Gentil desapareceu.

Quando Reed bateu à porta que ligava os dois quartos, ouviu Angie pedir que ele entrasse. Encontrou-a diante da grande janela de vidro, olhando as luzes da cidade.

O lindo vestido vermelho tinha um ousado decote nas costas e a saia de um tecido esvoaçante caía em ondas até o chão. Porém, embora ela estivesse linda, Reed notou uma sombra de tristeza em seu olhar.

— O que aconteceu, Angie? Algum problema?

Delicadamente, ela encostou os dedos no vidro. — Posso sentir a vibração do tráfego na mão, assim como o efeito provocado por um trovão distante. Eu estava sempre tão ocupada que nunca prestei atenção nisso antes.

Reed se aproximou devagar e pousou a mão sobre a dela. — Está notando agora.

— Agora é tarde.

— Nunca é tarde demais.

— É para mim. — Angie se voltou para ele, com um brilho de lágrimas nos olhos. — Mas não para você.

— Não quero uma esposa, Angie.

— Será que não entende? Tenho de partir logo porque não me resta muito tempo para terminar a missão. O que você quer, Reed? Diga e eu lhe darei.

Ele não hesitou.

— Apenas isso...

Cobriu os lábios dela em um beijo tão arrebatador que a deixou sem fôlego. Seria tão fácil amar Angie e torná-la sua esposa, se ela quisesse...

— O que disse? — ela perguntou, ao se afastar, ainda ofegante.

— Nada — respondeu Reed, roçando os lábios na curva sensível do pescoço dela.

— Pensei que houvesse pedido algo — ela insistiu.

— Pedi um beijo.

— Não, depois disso. Devo ter ouvido algo mais.

— Os anjos fazem isso? — ironizou Reed.

— Às vezes. — Angie observou o rosto dele com atenção. — Quando os desejos são emitidos com um sentimento nobre, os anjos podem ouvir. Qual foi seu desejo ainda há pouco, Reed?

Ele se afastou. —       Acredito na realização de desejos tanto quanto na exis­tência de anjos — respondeu.

Angie fez menção de tocá-lo, mas hesitou. — E se eu pudesse lhe dar a chance de realizá-lo sem cobrar nada em troca?

— Eu diria "não, obrigado". Tudo nessa vida tem um preço e nenhum desejo se realiza completamente.

— Por que diz isso com tanta certeza?

— Seus desejos se realizaram alguma vez? — Quando ela fez menção de desviar o olhar, Reed segurou-lhe o queixo, forçando-a a olhá-lo. — Você jurou que nunca mentiria para mim. Então responda, Angie. Algum de seus desejos já se tornou realidade?

Ela balançou a cabeça devagar. — Não. Nunca.

— E amor? Você já o sentiu por alguém?

— Não. Mas isso não significa que o sentimento não exista.

— Você mesma nunca sentiu algo assim e quer que eu acre­dite no que está me dizendo a respeito do amor?

— Sim.

— Sinto muito, mas não posso, Angie.

— A concessão desse desejo foi sugestão de Gentil, não mi­nha. Estou apenas sendo a mensageira do recado.

— E se eu preferir ficar com a mensageira, em vez do recado? Angie não respondeu nada.

—Está linda — disse ele. — Vamos? Não sei quanto a você, mas estou faminto.

Quando se dirigiram à porta, Reed notou que Angie enxugou uma lágrima que lhe escorrera pelo rosto. Sentiu uma onda de remorso ao se dar conta de que provavelmente havia feito um anjo chorar.

 

Depois do banquete animado, onde Angie co­nheceu várias esposas e secretárias de ho­mens influentes, os dois voltaram para o hotel, em meio a uma atmosfera de agradável cumplicidade.

— Obrigada pela noite adorável — Angie agradeceu, assim que entraram na suíte.

— Ela não precisa terminar agora se você não quiser — Reed insinuou.

Angie conteve o fôlego. — Não acho que seja uma boa idéia.

— Pois eu acho uma excelente idéia — afirmou, antes de beijá-la. — Viu como foi bom?.

— Foi maravilhoso — admitiu Angie, desejando que ele a beijasse novamente.

— É sincera até o último instante, não? — observou Reed, com um sorriso.

Ela assentiu. — Eu lhe disse que nunca minto.

— Então pode dizer sinceramente que deseja terminar a noite agora?

— Eu gostaria que ela durasse para sempre — respondeu Angie. — Mas meus desejos não são importantes no momento.

— Apenas os meus?

— Sim.

Reed segurou o queixo dela com delicadeza. — E se eu desejar que esta noite dure para sempre, com você na minha cama?

— Não sei o que aconteceria. Não tenho certeza se o poder do Paraíso pode fazer uma noite durar para sempre, nem se é possível você ter um anjo em sua cama.

— Então há limites para meu desejo?

— Na verdade, sei apenas de uma condição para a realização de seu desejo.

— Qual é a condição?

— Que o desejo surja de seu coração.

Reed deslizou os lábios pela curva sensível do pescoço dela. —  E como saberá que meu desejo é verdadeiro?

— Não precisarei saber. — Angie fechou os olhos por um instante. Mal estava conseguindo raciocinar. — O Paraíso saberá.

— Passe a noite comigo, Angie. — Levando a mão às costas dela, ele encontrou o primeiro botão do vestido. — Vamos des­cobrir o que é isso que existe entre nós.

Os olhos de Angie se encheram de lágrimas.

— Não posso, Reed. Por mais que eu queira, seria errado. Não podemos ficar juntos. Você precisa encontrar alguém que possa amá-lo de verdade, e não uma mera sombra do passado.

Se considera mesmo isso, não acha que merece pelo menos uma noite de felicidade? — Ele abriu o primeiro botão do vestido dela. — Faça amor comigo, Angie.

Ela suspirou, buscando o ar que parecia haver fugido de seus pulmões. Mesmo relutante, conseguiu se afastar o sufi­ciente para dizer:

— Eu faria amor com você, Reed, se pudesse haver algum futuro entre nós. — Tentou sorrir, mas não conseguiu. — Ambos sabemos que isso não é possível.

— Angie...

— Será que ainda não entendeu? — ela indagou, com uma lágrima escorrendo pelo rosto. — Você quer que eu aja como uma farsante, mas eu não posso! Eu nunca minto.

— Por que tem tanta certeza de que seria uma farsa?

— Para você, seria. Então, para mim também.

Dando a conversa como encerrada, ela foi para o outro quarto e fechou a porta com firmeza.

— Não iremos ao piquenique de ônibus, com os outros? — perguntou Angie, na manhã seguinte.

Estava mantendo um tom impessoal, na esperança de que Reed não mencionasse o que acontecera na noite anterior. Para seu alívio, ele não o fez.

— Não estou com disposição para dividir um ônibus com uma porção de gente barulhenta — respondeu ele. — Por isso aluguei um carro por todo o dia. — Com um ar maroto, acres­centou: — Na verdade, escolhi o modelo pensando em você.

— É mesmo? — Angie se surpreendeu. — E onde está o carro?

— Ali. — Ele apontou.

Angie sorriu ao ver um carro esporte vermelho estacionado diante do prédio.

— Tem muito bom gosto, Sr. Harding.

— Fico feliz que tenha aprovado. — Quando se aproxi­maram do carro, Reed abriu a porta do motorista. — Quer dirigir um pouco?

Angie arregalou os olhos. — Está falando sério?

— Claro. — Ele sorriu. — Ontem à noite, você me fez lembrar quanto é importante valorizarmos os pequenos prazeres da vida. E, no momento, não consigo pensar em nada mais prazeroso do que ter uma belíssima loira a meu lado, dirigindo um conversível vermelho em uma manhã de domingo. — Ar­queou uma sobrancelha. — Você consegue?

Angie sorriu. — Só consigo pensar em uma coisa mais prazerosa do que isso.

— O quê?

— Dirigir um conversível vermelho com um homem irresis­tível a meu lado.

O sorriso que Reed lhe deu em resposta a deixou sem fôlego por um instante.

— Posso providenciar isso. Você tem carta de motorista?

— Eu poderia providenciar uma se fosse preciso.

Sentando-se ao volante, Angie tirou um par de óculos escuros da bolsa e em seguida uma grande presilha dourada, com a qual prendeu os cabelos.

— Faz algum tempo que quero lhe fazer uma pergunta — disse Reed. — Como consegue pôr tantas coisas nessa bolsa minúscula?

Angie riu e deu de ombros. — O que posso dizer? Isso é coisa de anjo.

Dizendo isso, ligou o motor e manobrou o carro com movi­mentos precisos. Reed lhe dera de presente a oportunidade de voltar à vida terrena, e ela não pretendia perder nem um segundo da diversão.

Demoraram uma hora e meia para chegar em Pointer's Lake. Os ônibus já haviam chegado e as famílias se encontravam ocupadas em abrir guarda-sóis e em estender toalhas sobre o gramado destinado ao piquenique.

— Que tal ficarmos debaixo daquela árvore próxima ao lago? — sugeriu Reed, quando saíram do carro.

— Que tal a árvore mais afastada do lago?

— Oh, já entendi. Você não sabe nadar. — Ele arqueou uma sobrancelha. — Não gosta de água.

— Só se ela estiver em uma banheira cheia de espuma.

— Lembre-me disso quando chegarmos ao hotel, e verei o que posso fazer. O que aconteceu para deixá-la com tanto medo de água?

— Tive uma experiência desagradável no passado.

— Quase se afogou?

— Mais ou menos.

— Posso tentar ajudá-la, se quiser. Acho um desperdício perder tantas chances de se divertir por causa do trauma de uma experiência desagradável.

Angie suspirou. — O problema é que eu morri por causa dessa experiência desagradável, Reed. E mesmo sabendo que não posso morrer novamente, prefiro evitar essas circunstâncias.

— Então você morreu? — perguntou ele, com calma.

— Como diab... Como acha que eu me transformei em anjo? Morrer é um pré-requisito para isso, sabia?

— Lá vem você de novo. Angie, essa situação está ficando ridícula.

— Tem razão. Aqui estou eu me permitindo ter um pouco de divertimento quando deveria estar preocupada em completar minha missão. — Observando as pessoas, acrescentou: — Deve haver alguém aqui por quem você possa se apaixonar. Ou pelo menos ter um desejo.

— Desejo de quê?

— De se casar, é claro. E de ter um amor verdadeiro. Não prestou atenção ao que eu lhe disse desde o primeiro dia em que nos conhecemos?

— Pelo visto, não.

— Reed! Demonstre um desejo, pelo amor de Deus!

— Está bem. Desejo ter um amor verdadeiro. Ficou satisfeita agora?

— Não! Ele tem de vir do fundo de seu coração.

— Casamento não é um desejo do fundo do meu coração. Não quero me apaixonar e não preciso de uma esposa.

— Bem, então do que você precisa? — inquiriu Angie, exasperada.

Reed estreitou o olhar. — Nada que você possa me dar.

— Eu...

Angie se interrompeu, tendo a impressão de que ouvira um sussurro em sua mente. Estaria mesmo captando nuanças do pensamento de Reed?

— Há algo que você quer — disse a ele. — O que é? Eu quase descobri há alguns segundos.

— Desista, Angie. Já tentei me render ao amor, mas não deu certo. Fim do assunto. Hei, veja, estão começando um jogo de voleibol. Vamos jogar?

Ela olhou na mesma direção que ele. — Eles montaram a rede muito próxima do lago.

— Tudo bem — falou Reed, com gentileza. — Não precisa ficar perto da água, se não quiser. Jogaremos na relva.

— Não sei...

Ignorando os protestos, Reed a conduziu até o local.

— Então apenas assista ao jogo — sugeriu a ela.

Porém, a solidão de Angie não durou por muito tempo. Logo os casais que ela havia conhecido na noite anterior a puxaram para o jogo. Empolgada com a animação geral, Angie acabou se esquecendo do medo que sempre sentia ao chegar perto de uma grande quantidade de água.

— Pegue essa, Angie! — gritou Reed, ao bater na bola, em uma bonita jogada.

Angie tentou alcança-la, mas a bola foi parar no lago. "Oh, Deus, ali não", pensou ela, hesitante.

Diante do incentivo de todos, reuniu coragem e se aproximou da beira do lago, com a intenção de agarrar logo a bola e se afastar dali.

Porém, uma garotinha pareceu ter a mesma idéia que ela e correu em sua direção, também querendo agarrar o "premio". A menina esbarrou em Angie e a fez perder o equilíbrio e reviver um pesadelo que ela preferiria ter esquecido. Seu último pensamento de consolo ao cair na água foi o de que os anjos não morriam duas vezes.

De súbito, ela não se sentiu mais como Angie Fazpaz, mas como uma versão diferente de seu próprio ser...

Uma mulher de cabelos escuros andava pela doca, levando ao colo um bebê rosado e saudável. De súbito, um garoto surgiu como que do nada, correndo pela plataforma, e esbarrou na mulher. Angie nunca se esqueceria daquela cena dantesca.

A mulher caiu na água com a criança e o desespero a levou a gritar por socorro. Angie era a única pessoa que se encontrava mais perto naquele momento, e não hesitou em pular atrás do bebê.

Claro que foi uma atitude tola de sua parte, já que não sabia nadar. Todavia, seu único pensamento naquele instante fora salvar a criança. Mantendo a idéia em mente, pensou apenas em alcançar o bebê e levantá-lo na direção da doca. E o foi o que fez. Logo sentiu um par de mãos pegando-o no alto. Finalmente outras pessoas haviam se aproximado para ajudar a socorrê-las.

Entretanto, quando tentou emergir mais uma vez não teve forças para fazê-lo e sentiu uma golfada de água salgada invadir sua boca e seus pulmões. Foi então que se deu conta de que sua vida estava chegando ao fim e que ela nunca conheceria o amor e a felicidade ao lado de alguém. Nunca teria marido, filhos, nem envelheceria ao lado de seu amado.

"Por favor", implorara em pensamento. "Não me deixem mor­rer sem conhecer o amor!"

Foi então que um par de mãos fortes a segurou com firmeza, trazendo-a para a superfície.

— Angie!

— Reed! Oh, Reed... — Ela tossiu, engasgada com a água. — O bebê! Ele está bem?

— Que bebê?

— A criança da doca!

— Não há nenhuma doca por aqui, minha querida. Você está bem agora.

— Nenhuma doca?

Angie estremeceu, voltando à realidade. Lembrou-se de sua morte, de sua missão angelical e das conseqüências que ela havia lhe trazido.

— Ela está bem? — perguntou a garotinha que esbarrara em Angie. — Eu não queria machucá-la.

— Ela está bem, não se preocupe — respondeu Reed, abra­çando Angie. — Apenas um pouco assustada.

Ele levantou Angie nos braços e levou-a para o local onde haviam estendido a toalha de piquenique.

— Você me assustou, Angie. Por um momento, pensei que fosse mesmo se afogar em meio metro de água.

Reed a envolveu com uma toalha felpuda e a manteve junto de si, para aquecê-la.

— Meio metro? — Angie não pôde deixar de rir.

— Teria um bocado de trabalho para conseguir se afogar ali.

— Senti como se estivesse em um lugar muito fundo.

— Foi o pânico que a fez ter essa impressão. O que quis dizer quando perguntou sobre o bebê?

— Ele representou minha remissão.

— O quê?

— Drog... Puxa, onde deixei minha bolsa?

Ao encontrar a bolsa, pegou um pente e começou a ajeitar os cabelos úmidos, evitando encarar Reed.

— O que esse bebê teve a ver com você? — insistiu ele.

Angie não disse nada, mas ele continuou a olhá-la, esperando uma resposta. Ela respirou fundo.

— Está bem, vou contar. Satisfeito agora?

— Por enquanto, sim.

— Tudo aconteceu com uma mulher e um bebê mais ou menos com a idade de Kip — começou ela. — Os dois caíram na água, próximos a uma doca, e eu pulei para tentar salvá-los.

— Mas você não disse que não sabe nadar?

— Não sei mesmo.

— E ainda assim pulou? — indagou Reed, incrédulo. — Não acha que foi um pouco precipitada?

— Na verdade, agi como uma grande idiota.

— O aconteceu ao bebê?

— Ele foi salvo. — Angie abaixou a vista. — Mas eu não.

— Por isso se tornou um anjo?

— Se eu soubesse quais seriam as conseqüências, provavel­mente não teria pulado. Satisfeito agora?

— De qualquer maneira, você pulou.

— Sim. Meu único ato de altruísmo me deu uma oportuni­dade de remissão. Mas não a remissão total. Digamos que serviu apenas como meu "bilhete de entrada" no Paraíso. Se eu não conseguir realizar minha missão com você, não terei mais de me preocupar em ser anjo.

— Entendo. Sou sua última chance de conseguir as asas permanentes?

— Não estou brincando, Reed. Além do mais, já tenho asas. Só não consegui minha permanência efetiva no Paraíso. E por sua causa! — Ela guardou o pente na bolsa. — Então fale de uma vez, Reed Harding. Por que tem tanta aversão ao amor e ao casamento? Pelo menos tenho uma desculpa para minha fobia. Tenho medo de água porque me afoguei. Qual é sua desculpa?

— Não tenho medo do amor e do casamento. Apenas precaução.

— Por quê?

— Tentei uma vez, mas não deu certo.

— O que aconteceu? — Quando ele continuou em silêncio, ela insistiu: — Vamos lá, Reed. Respondi às suas perguntas. Agora responda às minhas.

Ele respirou fundo. — Está bem. Eu e Emily estávamos pensando em nos casar, depois que vivemos juntos durante algum tempo.

— Quando foi isso?

Há pouco mais de dois anos. Tudo parecia perfeito, até minha mãe pedir para eu cuidar de Joel. —        Porque ela não podia controlá-lo?

Reed assentiu. —       Mamãe achou que ele me obedeceria. — Ele pareceu aflito por um instante. — Droga, o que mais eu poderia dizer? Joel é meu irmão.

— Imagino que Emily quisesse que você negasse o pedido.

— Sim. Ela e Joel nunca se deram muito bem. Emily não havia tido irmãos e costumava dizer que a rebeldia de Joel a assustava. Ele estava sendo apenas intransigente, como eu também era quando tinha a idade dele. Mas não consegui con­vencê-la disso e Emily me deu um ultimato.

— Teve de escolher entre ela e Joel?

— Sim.

— E escolheu seu irmão?

Reed sorriu, com amargura. — Na verdade, nem precisei fazer a escolha. Quando cheguei do trabalho, certo dia, ela havia ido embora.

— Há algo mais, não é?

Depois de alguns segundos de hesitação, ele respondeu: — Encontrei uma caixa no lixo. Um teste caseiro de gravidez.

— Ela estava grávida?

— Não sei. — Reed passou a mão pelos cabelos. — Essa é a parte mais difícil. Passei mais de dois anos tentando desco­brir. Contratei detetives, falei com todos os amigos dela e com as pessoas ligadas ao trabalho que ela desenvolvia, mas nin­guém sabe nada. É como se Emily houvesse desaparecido da face da terra.

— Não tem idéia de onde ela pode ter ido?

— Ela tem mãe, mas não consigo me lembrar do nome dela nem de onde vive. Entende agora por que achei tão difícil segurar Kip? Essa história de não saber com certeza se tenho um filho ou uma filha está me deixando maluco.

— Contou à sua mãe?

Ele balançou a cabeça negativamente. —   Você é a única pessoa que ouviu a história por completo, além dos detetives. Não quero que mais ninguém saiba. Minha mãe e Joel já se sentiram culpados o suficiente quando Emily foi embora e eu fiquei arrasado. Se souberem que ela poderia estar grávida...

— Então é por isso que sua mãe está tão ansiosa para encontrar uma esposa para você — deduziu Angie.

Ele assentiu. — Ela alivia a própria culpa dessa maneira.

— Também deve ter sido um bocado difícil para Joel.

— Conversei com ele e expliquei que não o considerava cul­pado. Acho que ele acreditou em mim porque não voltou a tocar no assunto. Entende agora porque não quero me casar?

— Não completamente. Teve uma experiência desagra­dável, mas...

— Você não desiste mesmo, não é? — Algum dia desses, en­contrarei Emily. Quando isso acontecer, saberei se tenho mesmo um filho e farei o que for preciso para ter essa criança do meu lado. Talvez até me case com Emily, se ela quiser. Portanto, a menos que consiga encontrar minha ex-noiva e descubra sobre a existência dessa criança, não quero saber de casamento.

Dizendo isso, ficou de pé e caminhou em direção ao lago.

 

— Angie?

Reed abriu devagar a porta que unia os dois quartos, disposto a pedir desculpas a Angie, como ensaiara durante todo o dia. Só que ela não estava no quarto.

Foi então que ouviu um suave cantarolar vindo do banheiro. Seguindo o som, parou à porta, que se encontrava entreaberta. Pelo delicioso perfume que recendia pelo ambiente, ela devia ter acabado de sair do banho.

Sabia que não era correto permanecer ali, mas o desejo de ver aquele lindo corpo despido o levou a agir como um adolescente, prestes a espiar a garota mais bonita da escola sem roupas.

Com um sorriso se insinuando nos lábios, espiou pela fresta. Para seu alívio, Angie não notou sua presença.

Ela estava com uma perna apoiada na banheira, enquanto se enxugava com uma toalha felpuda. Os cabelos úmidos caíam sobre os ombros delicados, e quando ela se inclinou um pouco mais para frente, o movimento dos seios esculturais lhe cha­mou a atenção.

Reed lembrou-se de como fora maravilhoso tocar aquela pele sedosa, enquanto seu olhar foi descendo para os quadris deli­ciosamente arredondados. Foi então que ela se virou para co­meçar a enxugar a outra perna e ele teve o vislumbre de uma majestosa plumagem ao longo das costas dela. O movimento sutil de Angie fez as plumas esvoaçarem, evidenciando algo que o deixou atônito: ela era mesmo um anjo!

Com o susto, deve ter emitido algum som, pois ela levantou os olhos de repente, cobrindo-se instintivamente com a toalha. Para maior espanto de Reed, ele avistou o contorno de uma reluzente auréola dourada acima da cabeça dela.

Durante um longo tempo, nenhum dos dois se moveu.

— V-você é um anjo — balbuciou ele, por fim.

— Eu lhe disse que era.

— Não quero um anjo na minha vida. — As palavras saíram quase como um desabafo.

Uma sombra de tristeza surgiu nos olhos de Angie. — Eu sei.

Reed tinha certeza de que não queria um anjo. Queria Angie! De preferência, em sua cama e em sua vida, para sempre. O paraíso lhe dera um anjo, mas ele queria a mulher que existia trás do anjo!

 

— Pensei que quisesse apenas dar um passeio de carro — disse Angie, olhando pela janela do veículo. — Este caminho não vai dar no lago?

— Sim — confirmou Reed. — Decidi voltar até lá.

— Por quê?

— Digamos que nós dois temos alguns assuntos por terminar.

— No lago? — perguntou Angie, com apreensão.

— Isso mesmo. — Reed olhou-a de soslaio. — Precisamos conversar.

Ela sentiu a boca secar. Um mau sinal. — Sobre o que você quer conversar?

— Vários assuntos.

Angie não disse mais nada. Teria Reed à intenção de con­tinuar a discussão sobre encontrar uma esposa? Ou estaria ele querendo falar mais sobre Emily? Mas poderiam ter con­versado sobre isso no hotel. Por que ir até o lago?

Quando chegaram, Reed tirou uma toalha do banco traseiro do carro e fez um sinal para que Angie o seguisse. Ele foi direto para um local quase à beira do lago, onde tirou os sapatos e estendeu a toalha.

— Venha, Angie. Vamos nos sentar aqui e conversar.

Ela hesitou, sem saber se teria coragem de ficar em um local tão perigoso.

— Por que não podemos conversar debaixo da árvore onde ficamos ontem?

Reed se aproximou dela, mas não a tocou. —      Você confia em mim?

Ela fechou os olhos por um instante, lamentando a situação difícil em que Reed a colocara. Claro que confiava nele, mas seu medo da água parecia mais forte do que qualquer outra coisa.

— Confie em mim, Angie. Segure minha mão que eu a protegerei.

Devagar, ela pousou a mão sobre a dele e o acompanhou até a beira da água. Tremula, sentou-se ao lado de Reed e aceitou o abraço protetor que ele lhe ofereceu.

— Estou com medo — confessou.

— Eu sei.

— Então por que está fazendo isso?

— Porque anjos não podem ter medo.

Angie levantou a vista para ele. — Agora acredita que sou um anjo?

— Depois do que vi ontem à noite, seria difícil negar.

— Está surpreso?

— Sim.

— Por que não acredita em anjos?

— Até onde sei, eles não andam à solta por aí. Pelo menos, nunca me encontrei com um antes.

— Há mais de nós "por aí" do que você imagina — disse ela, com um sorriso encantador.

Reed também sorriu. — Agora me diga por que querem que eu tenha uma esposa.

— Nem sempre temos uma explicação clara dos nossos su­periores. Acredito que seja porque você precisa dar um bom exemplo a Joel. Ele imita tudo que você faz, e talvez meus superiores queiram que ele veja como é sentir um amor ver­dadeiro, para que ele próprio deseje encontrar um algum dia.

Reed abaixou a vista. — Sinto muito, Angie. Não sei se conseguirá cumprir sua missão.

— Por causa de Emily e da criança?

— Sim. Será que isso não é suficiente para seus superiores? Quero conhecer o amor através de meu filho, apenas isso.

— Então não ama Emily?

— Eu a amei no passado. Talvez consiga amá-la de novo, se for preciso — respondeu ele.

— Deixe-me lembrar algo que um tio meu costumava dizer: "Quando você está no caminho certo, as montanhas se trans­formam em morros fáceis de se escalar. Mas quando você está no caminho errado, os morros se transformam em montanhas impossíveis de ser escaladas".

— Acha que Emily é minha montanha?

— Durante dois anos, você a tem procurado sem sucesso. Talvez não esteja destinado a encontrá-la, para que possa se abrir para outras possibilidades.

— Como a do amor? — perguntou ele, com ironia.

— Não tente me enganar, Reed. Vi quanto você ama Joel e sua mãe.

— Claro que os amo. Eles são minha família.

— E quanto a mim? — indagou Angie. — Está me abraçando com muito carinho. Por quê?

— Você sabe a resposta.

— Porque estou com medo da água.

— Sim.

Após um momento de silêncio, Angie falou: — Passei minha vida inteira esperando realizar um único desejo. Nunca consegui realizá-lo, e agora é tarde demais para mim, mas você ainda tem uma chance. Precisa apenas dizer as palavras certas para seu desejo se realizar. Tem idéia do que eu daria por uma chance como essa?

— Não posso fazer isso, Angie. — Ele a segurou pelos ombros. — Se quiser me ajudar, diga-me onde está Emily.

— Não sei onde ela está, Reed. Talvez nem estivesse grávida.

— E se estivesse? — ele insistiu.

— E se ela entregou o bebê para adoção?

— Não! Eu me recuso a pensar nisso.

— Pois deveria.

— Esse desejo que me prometeu... Posso usá-lo para encon­trar Emily?

Angie se viu forçada a dizer a verdade. — Sim.

— O que acontecerá se esse for meu desejo?

— Seus detetives conseguirão localizá-la "milagrosamente".

— E se eu tiver um filho e me casar com Emily?

— Se resolver se casar com ela sem amá-la, minha missão terá falhado.

Isso o deixou com uma expressão preocupada. — O que acontece quando os anjos falham em suas missões?

Angie deu de ombros. — Depende. Às vezes, mandam outro anjo para substituí-lo. Um que não falhe. Como fizeram comigo no Sarducci's ou com Ralph, no Grand Majesty. De outras, quando o anjo danifica demais o brilho de sua auréola... — Ela hesitou. — Ele é enviado para o outro lado do portão.

Não quis falar mais detalhes para não deixar todo aquele peso sobre os ombros de Reed.

— Outro anjo não resolveria o meu caso — afirmou ele. — Chuck ou Dotty não conseguiriam encontrar um amor verdadeiro para mim. Conseguiriam?

— Provavelmente não, se você preferir se casar com Emily.

Angie fitou-o com um último brilho de esperança no olhar. Se não o amasse tanto, talvez... Conteve o fôlego de repente. Oh, Deus... Amava Reed!

Como isso acontecera? Quando? A resposta estava além de sua compreensão, mas ela não se importava. Um sorriso curvou seus lábios, ao se dar conta de que finalmente conhecera o amor.

— Obrigada, Gentil — sussurrou quase para si mesma.

Mesmo que acabasse sendo expulsa do paraíso, levaria seu amor por Reed para qualquer lugar do universo. E ele lhe daria forças para lutar, se fosse preciso.

— E esse seu desejo, Reed? Encontrar Emily e se casar com ela?

— Quero pensar mais um pouco, antes de decidir.

Angie assentiu, mal conseguindo disfarçar o alívio. Talvez ainda houvesse uma chance de Reed mudar de idéia.

— Agora vamos ao seu problema — ele sugeriu, prendendo com delicadeza uma mecha de cabelos atrás da orelha dela.

— Não se preocupe com isso. E apenas um medo tolo que carrego comigo.

— Esforçou-se para me ajudar e quero lhe retribuir de al­guma maneira.

Angie apertou os lábios. — Eu agradeceria muito se não fosse uma aula de natação. Além disso, não estamos vestidos apropriadamente.

— Estamos de bermuda — salientou Reed. — Não importa se nos molharmos. Vamos apenas tentar livrá-la dessa fobia.

— Reed, agradeço muito, mas...

— Confie em mim. Prometo que pararei se não funcionar.

Angie hesitou, mas aquela mão firme e carinhosa segurando a sua lhe trouxe uma onda de segurança.

— Está bem, mas seja rápido, por favor.

Devagar, Reed a conduziu até a beira do lago, deixando a água tocar as pernas de ambos. Angie sentiu um frio no es­tômago, mas permitiu que Reed a virasse de frente para a água, mantendo suas costas junto ao peito dele.

— Nem vou pedir que relaxe — disse Reed.

— Ótimo, porque eu não conseguiria.

— Mas preciso que feche os olhos. — Assim que Angie obe­deceu, ele disse: — Sabe o que eu pensei na primeira vez em que a vi?

— Aí vem problema?

— Exatamente. — Reed riu, pegando um pouco de água e molhando os braços dela.

Angie estremeceu, a princípio de medo, mas depois de prazer.

— Que tal? — perguntou ele.

— Nada mau — ela admitiu, surpresa.

— Ótimo. Agora relaxe. Está sentindo a água tentando le­vantá-la e levá-la?

Angie abriu os olhos no mesmo instante, apavorada. — Não deixe, por favor.

Reed a enlaçou entre os braços, transmitindo-lhe segurança.

— Nunca a deixarei ir — sussurrou ele. — Então, sem­pre causou problemas por onde andou, mesmo antes de se tornar anjo?

— A cada dia da minha vida — confessou ela, mantendo os olhos abertos.

A essa altura, a água já estava alcançando sua cintura e tentando molhar sua blusa vermelha com leves ondulações ao seu redor. O lago parecia inócuo, com sua cor ligeiramente esverdeada, refletindo o brilho do sol em uma espécie de dança dourada ao longo de toda sua extensão. Mais adiante, em outra margem, ela avistou alguns chorões inclinados na direção da água, como que tentando vislumbrar seus próprios reflexos na superfície brilhante. Os longos galhos de folhas pendentes tocavam a água como tranças, sussurrando segredos à brisa curiosa. Reed afrouxou um pouco o braço ao redor da cintura de Angie.

— Mas sempre foi boa em lidar com pessoas? — perguntou ele, tentando mantê-la relaxada.

— Não sei lidar com pessoas.

— Claro que sabe. Nunca notou esse seu dom? Você atrai as pessoas de uma maneira especial. A princípio, pensei que fosse por causa de sua aparência, mas logo notei que com o tempo as pessoas passam a ver seu espírito e a admiram por quem você realmente é.

— Isso é coisa de anjo. Como minha bolsa, lembra-se?

Reed sorriu. — Não, minha querida. É você. A gentileza em seu olhar, o brilho de seu sorriso, o carinho de seu toque e essa alegria de viver que é raro encontrar nas pessoas.

— Está errado, Reed. Sempre olhei a vida de fora e nunca a experimentei realmente quando estive na Terra, por que faria isso agora, que não pertenço mais a este lugar?

— Você nunca se permitiu pertencer à Terra, meu anjo — disse ele, com gentil ironia. — Bastaria desejar com todo seu coração e você teria conseguido.

A verdade atingiu Angie com um impacto devastador. Sem­pre tivera tanto medo de se magoar que nunca se permitira aproveitar a vida em sua plenitude. Deus, o que fizera consigo mesma? Por que desperdiçara algo tão precioso como a vida?

—      Não precisa ter medo, Angie. Olhe à sua volta agora.

Só então ela se deu conta de que estavam bem longe da margem, e que seu medo havia desaparecido. Flutuou sobre a água morna, segura junto aos braços protetores de Reed. O medo se fora afinal. E Reed a ajudara a se livrar dele.

Sentiu seus olhos se encherem de lágrimas e o abraçou, deixando o choro acontecer livremente. Se ao menos não fosse tão tarde para haver encontrado o amor...

— Não precisa mais ter medo da água nem da vida, Angie. Nenhuma das duas poderá feri-la de agora em diante. — Dizendo isso, Reed beijou a mão dela.

— Por que fez isso? — perguntou ela, surpresa.

— Certa vez, você disse que um homem nunca havia beijado sua mão. Não quero que volte sem haver experimen­tado isso também.

— Oh, Reed...

— Eu gostaria que você não fosse um anjo e que as circuns­tâncias de nosso encontro houvessem sido diferentes. Sei que eu não deveria desejar fazer amor com um anjo, mas não consigo...

Angie tocou os lábios dele com os dedos.

—      Shh... Não diga isso. O que queremos é impossível.

Ignorando o pedido, Reed murmurou: —      Deixe-me fazer amor com você, Angie. Apenas uma vez. Não se trata apenas de desejo físico, eu juro.

Ela sentiu-se tentada a aceitar, mas acabaria transpondo um limite do qual não haveria retorno.

— Não podemos. Logo Gentil dará um fim à minha missão e terei de ir embora.

— Angie...

— Quer que seu desejo seja satisfeito agora? — ela indagou, sem conseguir encará-lo.

Reed não respondeu de imediato. — Sim.

— Então o faça.

— Quero que encontre Emily para mim. Quero saber de uma vez por todas se tenho mesmo um filho. Se a encontrar, vou me casar com ela.

— Esse é seu desejo sincero?

Ele ficou em silêncio, olhando para o lago, com ar pensativo.

— Reed? Não precisa fazer isso, se não quiser. Pode desejar encontrar o amor verdadeiro. Isso não significa que não loca­lizará Emily e seu filho.

— Tem razão. Quero meu filho, se ele existir. Mas existe algo que desejo tanto quanto isso, só que não posso ter.

— E o que é?

— Você sabe.

— Não, não sei — insistiu ela.

— Bem, se não posso ter o paraíso, ficarei mesmo em meio ao inferno. Realize meu desejo, Angie.

— Deseje o amor!

— Você já ouviu qual é meu desejo. Não vai realizá-lo?

— Quer encontrar Emily e saber se seu filho existe?

— E também quero me casar, se essa criança existir.

Os olhos de Angie se encheram de lágrimas mais uma vez. —      Então que assim seja.

Reed a abraçou. — Isso está sendo difícil, meu anjo. Não importa o que eu deseje porque sempre faltará algo na minha vida. Você sabe disso, não sabe?

A tristeza de Reed parecia tão intensa quanto à dela. —        Sim, eu sei.

Angie chegou ao escritório de Reed bem cedo, na manhã de segunda-feira. Teve de conter a vontade de chorar por saber que sua missão estava chegando ao fim. Respirando fundo, tentou reunir forças para enfrentar a situação e abriu a porta.

Reed estava diante da ampla janela de vidro, olhando para o rio. Ele não ouvira ela entrar e Angie aproveitou o momento de distração para observá-lo melhor. Parecia pensativo, com os traços do rosto marcados por leves rugas de preocupação.

— Reed?

Ele se virou para ela. —      Pensei que houvesse ido embora.

— Não pude — respondeu Angie. — Não ainda.

Olhando-a de alto a baixo, ele disse: — Estou chocado, Angie. Nunca a vi vestida de branco.

— Meus dias de vermelho terminaram.

Reed franziu o cenho. — Por quê?

— Você sabe. Terei de partir em breve. Mas antes disso, preciso completar uma tarefa.

— Se está falando em encontrar uma esposa para mim...

— Não. Admito que minha missão falhou nesse aspecto.

— Mas não falhou, querida. Não quero que vá embora.

— Essa decisão não cabe a mim nem a você, Reed. Preciso me desculpar.

— Não há motivo para isso.

— Sim, há. Eu deveria ter me empenhado mais.

— Mas eu não queria uma esposa.

— Você merece encontrar o amor. Ele existe, Reed. Sei que lhe disse que não acreditava nele, mas eu estava errada.

— Não volte para lá — pediu ele. — Fique comigo.

Aquilo a estava torturando, mas ela teria de ser firme.

— Não pertenço mais à Terra. Já experimentei a vida, mas chegou à hora de você experimentar a sua.

— Quero tê-la na minha vida, Angie.

"Oh, por favor, Gentil, não me faça passar por isso. Tire-me logo daqui!", ela pediu em pensamento.

— Não será possível.

— Faça com que seja — insistiu Reed, aproximando-se dela. — Quer encontrar uma esposa para mim? Pois bem, pode fazê-lo. Irei até cooperar. Poderemos passar a vida inteira juntos procurando a mulher certa.

— Reed, por favor...

Ele a puxou para si, abraçando-a com força. —    Não pode me deixar, Angie. Não quero que faça isso.

Reed a beijou com urgência, deixando-a tremula e ofegante.

— Quando se afastaram, após um tempo que pareceu uma mara­vilhosa eternidade, ele segurou o rosto de Angie entre as mãos.

—      Eu te quero. Eu te am...

Ela o silenciou, pousando os dedos sobre os lábios dele.

— Não diga isso. Nem mesmo pense. Vim apenas para rea­lizar seu desejo.

— Que desejo?

—      O que Gentil mandou que eu lhe desse.

Alguém bateu à porta.

— Você encontrou Emily? — perguntou Reed, olhando para a porta fechada. — Pode dispensá-la, porque mudei de idéia. Posso resolver esse problema sozinho, sem sua ajuda.

— Agora é tarde demais — sussurrou Angie, afastando-se dele. — Seu desejo já se cumpriu, Reed.

 

A porta foi aberta por uma mulher de cabelos grisalhos, aparentando estar na casa dos cinqüenta anos. Lançou um olhar apreensivo para Angie, antes de se voltar para Reed.

— Sr. Harding? — perguntou, unindo as mãos em um gesto nervoso.

— Sim, sou Reed Harding.

— Sou Lorraine Enders, mãe de Emily. Poderíamos trocar algumas palavras?

— Onde está Emily? — ele indagou.

— E sobre isso que desejo lhe falar.

— Entre, por favor, Sra. Enders —,disse Angie, indicando o sofá a ela. — Não quer se sentar?

— Obrigada.

A mulher se sentou e olhou para Angie com mais atenção.

— Não a conheço de algum lugar?

— Não, nunca nos encontramos — respondeu Angie.

— Seu rosto me parece familiar...

— Sra. Enders? — Reed interveio. — Onde está Emily?

— Eu... não sei muito bem como lhe dizer isso. — Os olhos de Lorraine se encheram de lágrimas. — Emily morreu a um ano, em um acidente.

— Morreu?!

Reed levou alguns segundos para superar o impacto da no­tícia. Então uma expressão de solidariedade surgiu em seu rosto. Atravessando a sala, sentou-se ao lado de Lorraine.

— Sinto muito. Eu não sabia. Na verdade, eu a tenho pro­curado desde que ela foi embora.

— Sei disso, Sr. Harding.

— Pode me chamar de Reed.

— Obrigada. Me chame de Lorraine.

— Não quero aumentar seu sofrimento, mas poderia me dizer o que aconteceu com Emily?

— Ela foi ficar comigo, em Delaware. Emily me contou sobre os problemas de seu irmão e disse quanto a idéia de morar na mesma casa que ele a desagradava. Acho que ela errou por não dar uma chance a Joel, mas ela ficou irredutível porque... —         Lorraine se interrompeu.

— Porque estava grávida? — Reed terminou a frase por ela.

— Sim — ela confirmou.

— Ela teve meu filho?

— Sim. Uma linda menina chamada Rebecca.

— E o que aconteceu com minha filha? — perguntou Reed, preocupado. — Ela estava com Emily quando...?

— Sim. Mas Rebecca não se feriu gravemente. — Lorraine abaixou a vista. — Depois da morte de minha filha, fiz algo terrível. Fiquei com a menina e não o procurei. Sei que agi de forma errada, mas...

— Por que fez isso comigo?

Angie se aproximou dele e tocou-lhe o ombro. — Calma, Reed. Ela veio corrigir o erro.

Reed segurou a mão dela e levou-a aos lábios, beijando-a em agradecimento pelo aviso. Foi um gesto simples, mas que significou muito para Angie.

— Desculpe-me por parecer ansioso, Lorraine, mas é que venho tentando saber a verdade há dois anos. Continue, por favor.

— Demorou algum tempo, mas acabei percebendo que não estava agindo direito ao manter a menina afastada do pai.

— Onde está Rebecca?

— Está aqui. Mas tenho um pedido a lhe fazer, antes de trazê-la —        acrescentou Lorraine, com os olhos marejados de lágrimas. — Promete deixar que eu me despeça dela antes de partir?

Reed estreitou o olhar. — Partir?

— Por favor. Sei que não mereço sua consideração, mas peço apenas isso.

Ele meneou a cabeça, incrédulo. — Foi por isso que a manteve longe de mim durante todo esse tempo? Achou que eu a afastaria de sua neta por causa do que Emily fez?

— Quem poderia culpá-lo por isso?

— Esqueça o que aconteceu, Lorraine. Estou desapontado que não tenha vindo antes, mas agora que trouxe minha filha não quero perder tempo com mágoas. Rebecca ainda é sua neta e precisa de você. Eu nunca teria coragem de afastá-las.

Um murmúrio de protesto vindo da porta chamou a atenção de todos. Manchado estava sentado ao lado de uma garotinha que segurava sua coleira vermelha. Tinha cabelos negros, le­vemente encaracolados, e estava vestida com uma roupinha amarela e sapatinhos pretos.

Era a criança de aparência mais meiga que Angie já tinha visto. Reed olhou-a em silêncio, sem dizer nenhuma palavra. Ao avistar a avó, a menina correu para os braços dela. Depois de abraçar a neta, Lorraine virou-a na direção de Reed.

— Rebecca, meu bem, este é seu papai. Não quer dar um beijo nele?

Reed sorriu, visivelmente emocionado. —    Olá, Rebecca.

A menina hesitou, com timidez, fitando o pai com olhos muito semelhantes aos dele. Por fim, um sorriso curvou os lábios dela.

— Papai?

Reed assentiu, estendendo os braços para ela. Rebecca he­sitou novamente, mas acabou não resistindo e correu para ele. Feliz, Reed a levantou no ar, fazendo-a gargalhar.

— Não sabe quanto tempo esperei por isso, minha bonequinha.

Angie tocou o braço de Lorraine. —     Está vendo o bem que você fez? Tudo dará certo de agora em diante, pode acreditar.

Manchado se aproximou e mexeu na saia dela. Angie en­tendeu o recado silencioso. Chegara o momento de dizer adeus. Por mais que quisesse evitá-lo, não tinha escolha.

Sentou-se no sofá, ao lado de Reed e de Rebecca. Bastou um olhar para seu rosto e a garotinha quis logo estar em seu colo. Ao segurá-la nos braços, e ver aqueles olhos tão parecidos com os de Reed, Angie se apaixonou mais uma vez.

— Lindo! — exclamou Rebecca.

Só então Angie se deu conta de que os olhos inocentes da menina estavam enxergando a auréola em torno de sua cabeça. Levantando a mão, Rebecca tentou tocar o halo de luz, soltando um risinho quando ele se acendeu mais com a proximidade de seus dedos.

O olhar confuso de Lorraine indicou que ela não entendeu por que a neta fizera aquilo. Angie e Reed trocaram um olhar de cumplicidade. Nem todos os adultos conseguiam ver a au­réola de um anjo.

— Ah, acabei de me lembrar onde a conheci! — exclamou Lorraine, de repente. — Só que pensei que você houvesse se afogado junto com Emily.

Os dois a olharam no mesmo instante.

— O quê? — perguntaram em uníssono.

— Acabei não falando sobre o acidente — explicou Lorraine.

— Emily caiu nas águas de uma doca enquanto estava com Rebecca nos braços. Ela bateu a cabeça no casco de um barco ao cair, e acabou se afogando. Uma moça que estava por perto pulou na água e conseguiu salvar Rebecca. — Olhou para Angie, com um ar confuso. — Os jornais disseram que você também se afogou, mas vejo que se enganaram.

— Lorraine, por favor — disse Reed. — Leve Rebecca para a sala ao lado e me espere lá, está bem?

Lorraine obedeceu, sentindo que ele queria falar a sós com Angie.

— Salvou a vida da minha filha? — Reed perguntou, assim que as duas se retiraram. — Morreu para salvar a vida dela?

— Não morri de propósito, Reed — respondeu Angie, como que se desculpando pelo que fizera.

— Por que não me disse?

— Porque nem eu sabia que sua filha era a criança que eu havia salvado. — Ela sorriu. — Deve ser outra das artimanhas de Gentil. Pelo menos partirei sabendo que minha morte acon­teceu por uma boa causa. Isso completa seu desejo com perfeição.

— Completa meu desejo? — Reed a segurou pelos ombros. — É você que eu desejo ter!

— Não insista, por favor. Seu pedido já foi atendido e...

— Você não está entendendo — ele a interrompeu. — Desejei encontrar Emily e me casar, se existisse mesmo uma criança. Foi isso o que eu pedi.

— Sim, só que Emily está morta.

— O que significa que você não realizou meu desejo com­pletamente — acrescentou Reed, com urgência. — Rebecca é minha de qualquer maneira, mas você não me deu uma esposa.

Se o assunto não fosse tão sério, Angie teria caído na gargalhada. — Desde o início, você disse que não queria uma esposa. Já tem sua filha e pronto.

— Não! Fizemos um acordo, e já que você não me deu Emily, terá de ficar para substituí-la. Angie, por favor. Fique e se case comigo.

— Você sabe que isso não é possível.

Angie deu um passo atrás. Depois outro.

— Não, droga! Se você não ficar, meu desejo não terá nascido do fundo do meu coração. Rebecca é meu mundo agora, mas você... Você é minha vida!

Angie estremeceu, experimentando a sensação que sempre a assaltava quando ela estava prestes a voltar ao Paraíso.

— Preciso ir.

Reed deu um passo em direção a ela. — Espere! Não pode ir. Ainda não!

— Adeus, Reed. Seja feliz, por mim.

Ouviu a voz de Reed se tornar distante. Estendeu a mão, tentando tocá-lo uma última vez, mas já era tarde demais.

— Eu te amo! — gritou, na esperança de que ele ainda pudesse ouvi-la.

— Angie Fazpaz, dirija-se ao supervisor Gentil, por favor.

Ela começou a percorrer o corredor, dando-se conta de re­pente de que não estava havendo nenhum comentário a seu respeito e que, na verdade, alguns anjos estavam até sorrindo para ela. Respirando fundo, retribuiu os sorrisos com um ar confiante e seguiu em frente.

Gentil estava de pé em sua sala, mantendo uma expressão solene, como sempre.

— Oh, aí está você. Realmente fez uma tremenda confusão dessa vez, meu anjo. Entre e sente-se.

— Obrigada pela ajuda, Gentil — agradeceu, ao sentar-se no lugar de sempre. — Sei que tentou fazer o melhor que pôde.

— Sim, eu tentei.

— E agora o que acontecerá? Eu... serei mandada embora?

— Sim.

Ela suspirou alto. — Acho que nunca pertenci realmente a este lugar.

— É mesmo? — Gentil inclinou a cabeça de lado, observando-a com mais atenção. — E por que acha isso, srta. Fazpaz?

— Ambos sabemos que não tive uma vida lá muito exemplar. Eu me excedi um bocado na cota terrena de erros.

— Acha mesmo que só veio para cá por haver salvado a vida de Rebecca?

— Não foi só por isso?

— Claro que não, minha querida. A seleção não é tão simples assim. Esperamos mais dos nossos anjos. Mesmo dos que se encontram em treinamento. — Sentando-se à mesa, ele se in­clinou para frente e acrescentou: — Você tem um poder de amar que excede o de muitos de nossos anjos. Sempre foi alegre, prestativa e solidária com os outros.

— Mas eu cometi erros...

Ele dispensou o comentário com um gesto de mão.

— Todos estão sujeitos a cometer erros. Aquela história de realizar um desejo, por exemplo. — Gentil balançou a cabeça. — Tenho de reconhecer que você se atrapalhou um pouco.

— Mas eu realizei o desejo de Reed.

— Não, minha querida. Não fez isso.

— Não estou entendendo. Ele conheceu a filha.

— Sim, mas você deveria dar a ele um amor verdadeiro.

— Ele não queria isso. Desejava apenas... — Ao se lembrar do modo quase desesperado como Reed pedira a ela que fi­casse, admitiu: — Sim, ele me queria. Só que eu não quis dar ouvidos a isso.

— Acertou, srta. Fazpaz. Errou no cumprimento de outra tarefa, por isso terá de voltar. Chegamos à conclusão de que sua falha aconteceu por um único problema: você nunca co­nheceu o amor verdadeiro. Por isso o desejo do Sr. Harding não lhe chegou aos ouvidos, nem mesmo quando os pensamen­tos dele gritaram tão alto que todo o paraíso pôde ouvir.

— Mas eu conheço o amor! — protestou ela, com os olhos cheios de lágrimas. — Não o conheci por muito tempo, mas agora...

— Sinto muito, minha querida. Não aprendeu tão bem quanto deveria, e até experimentar o amor em todas suas facetas, não conseguirá ser um anjo bem-sucedido. Por isso, realizare­mos o desejo do Sr. Harding, e quando você voltar para junto de nós, talvez consiga obter mais sucesso em suas missões.

Duas lágrimas rolaram pelo rosto de Angie, quando ela se deu conta do que Gentil quisera dizer com aquilo.

— Como posso lhe agradecer?

— Ame com todo seu coração, e eu me sentirei recompensado.

— Com um sorriso bondoso, acrescentou: — O Paraíso não será o mesmo sem você.

Ela sorriu. — Não fique triste, Gentil. Eu voltarei.

— Disso eu tenho certeza... Até logo, srta. Fazpaz.

Angie permaneceu do lado de fora da bela mansão em estilo vitoriano. O portão principal foi fechado a distância. Já era tarde da noite e a maior parte do lugar estava mergulhada na escuridão.

Ouviu vozes a distância e logo avistou Joel, Reed e Rebecca se aproximando pela trilha que ia da garagem à entrada prin­cipal. Lorraine abriu a porta e saudou-os com um sorriso.

Rebecca e Joel entraram na casa, seguidos por Lorraine, mas Reed parou um instante. Angie notou que ele percebera sua presença, em um canto escuro da varanda. Só então ela deu um passo à frente, deixando que a luz revelasse seu rosto.

— Angie?

— Olá, Reed.

Ele não se moveu, como que não acreditando que ela esti­vesse mesmo ali.

— O que está fazendo aqui?

— Oh, digamos que fui expulsa do Paraíso. — Fitando-o nos olhos, acrescentou: — Me aceite, por favor. Não quero ser expulsa novamente.

— Então entre em casa — respondeu ele, com um sorriso. —Joel precisa de uma irmã, Rebecca de uma mãe, e eu ne­cessito desesperadamente de uma esposa.

— Ainda não posso entrar.

—Por quê?

Angie hesitou. —        Prometi a Joel que ele teria de aprovar sua escolha. Portanto, não posso entrar antes que ele me aprove.

Reed foi até a porta e gritou: — Joel! Venha até aqui. Preciso de sua opinião.

Joel apareceu logo em seguida. — O que foi? — Sorriu ao ver Angie.

Rebecca apareceu atrás dele, com seus passinhos incertos. Bastou olhar para Angie e soltou uma exclamação de alegria, antes de ir para o colo do pai.

— Por onde você andou? — indagou Joel.

— E uma longa história.

— Angie disse que lhe fez uma promessa, Joel, e que não se casará comigo enquanto você não aprovar minha escolha.

— Oh, é isso?! — Joel deu uma piscadela para Angie. — Anjos nunca podem quebrar as promessas que fazem, certo?

Reed olhou com ar surpreso para o irmão. — Como soube que ela era um anjo?

— Manchado me contou.

Angie suspirou. — Ele sempre falou demais.

— Pois é — anuiu Joel. — E eu que pensei que fosse a existência das asas que denunciasse esse tipo de coisa.

— Vai ficar aí parado a noite inteira ou vai mandar que ela entre logo? — questionou Reed.

— Me dê um minuto. Estou pensando — provocou Joel.

Reed o ameaçou e ele explodiu na gargalhada, levantando a mão em sinal de rendição.

— Está bem, está bem. Quer se casar com meu irmão?

— Ele é meio temperamental, mas acho que conseguirei conviver com isso — brincou Angie. — Se você concordar, claro.

— Pois eu os abençôo, meus filhos — zombou Joel, com um ar solene.

Reed segurou a mão dela. —      Vamos, querida. Venha conhecer seu novo lar.

Angie conteve a respiração, ainda em dúvida se era digna de tanta felicidade. Assim que Joel entrou, Reed a beijou com carinho, mantendo Rebecca nos braços.

— Não me deixe mais — pediu, com os lábios a centímetros dos dela. — Eu te amo, Angie. Mais do que pensei que fosse capaz de amar alguém.

Ela sorriu, respondendo com outro beijo.

— Eu também te amo. Tanto que prometo que a notícia de nossa felicidade se espalhará por todo o Paraíso.

Estavam prestes a entrar na casa quando um dálmata apareceu de repente, vindo do jardim, e passou pela porta antes deles.

Reed revirou os olhos e Angie levou a mão aos lábios, ten­tando disfarçar o riso. Anjos da guarda podiam até ser criaturas matreiras, mas também eram o acréscimo ideal para tornar uma família feliz.

A porta se fechou devagar. Angie finalmente tinha um lar.

 

                                                                                Day Leclaire  

 

 

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